O PAPA É POP, E ROBERT RAUSCHENBERG TAMBÉM

Há sempre uma boa referência ou um antecessor tão competente quanto por detrás de uma personalidade famosa muito bem aceita pelo senso comum. Com os versos “todo mundo está relendo o que nunca foi lido, todo mundo está comprando os mais vendidos”; a banda Engenheiros do Hawaii já nos anos 90 eternizava a máxima de que a cultura é uma mercadoria de consumo utilizada para satisfazer o público, que muitas vezes a consome sem nenhum tipo de questionamento crítico.

No caso específico do mundo das Artes, um dos exemplos utilizados para confirmar esse preceito pode ser associar o movimento da Pop Art a primeira imagem formada no consciente coletivo de que o norte-americano Andy Warhol foi o artista mais importante desse período. Não que as suas obras baseadas em mitos como os de Marilyn Monroe – utilizando a técnica de repetição da mesma imagem diversas vezes e em cores diferentes – não tenha um valor estético relevante, caso contrário, aspirantes a seres inventivos não se utilizariam de seus trabalhos como forma de inspiração.

Na verdade quando se busca revelar um ícone desses ou de qualquer outro movimento artístico, independentemente da época, deve-se concentrar na produção de diferenciais no sentido de que, um conteúdo é readaptado a uma nova realidade sócio-cultural a fim de abranger novos significados. No caso da Pop Art quem ganharia esse status é o também norte-americano, mas não tão espargido assim, Robert Rauschenberg.

Se a intenção era criticar a sociedade materialista e consumista doutrinada pelo sistema do capitalismo, Rauschenberg pode ser considerado um mestre no mundo contemporâneo. Ao se apropriar de elementos produzidos em larga escala pela indústria cultural como requisito básico no desenvolvimento de suas idéias, ele conseguiu mesmo que timidamente levar o conceito de arte para outro patamar de discussão.

Em complemento, o diretor do Museu de Arte Contemporânea de Serralves em Portugal, João Fernandes diz que Rauschenberg é “daqueles artistas que decidiu abrir caminhos novos para a arte fazendo o que ainda não tinha sido feito no seu tempo: aproximou a arte da vida e reinventou ambas”. João Fernandes se refere especificamente ao fato do artista ter também como procedimento definidor de seu trabalho, a apropriação de objetos inicialmente considerados sem utilidade convencional com um resultado final sem proporções limitadoras.

Isso inclui dizer que sua matéria-prima envolvia principalmente materiais descartados pela sociedade: as embalagens de diversos tipos de produtos, pneus velhos, garrafas de Coca-Cola, alem de animais empalhados e citações de pinturas renascentistas. Ao se deparar com obras atuais do artista plástico brasileiro Vik Muniz radicado em Nova York (âmbito artístico da Pop Art na década de 60), é possível compreender o nexo entre eles.

Tanto Robert Rauschenberg como Vik Muniz discutem o conceito da dualidade entre o lixo e o luxo, em dar ao primeiro o status de arte. Através de experimentos com novos suportes e materiais disponíveis em seus respectivos contextos históricos, ambos conseguiram facilitar um pouco mais o acesso as demonstrações culturais a um público menos prestigiado e conhecedor de Arte.

Mas independentemente de ter sido o precursor, Rauschenberg atinge a qualidade do que é novo com tamanho talento superior ao relacionar pintura, fotografia, performance, assemblage (colagem feita com diversos materiais), entre outras técnicas, sem respeitar as definições dos conjuntos de métodos e processos artísticos e ultrapassando fronteiras entre cada uma delas, mesmo em um período político de endurecimento dos governos.

Além disso, com a frase “odeio a idéia de que uma pintura é um retângulo que está fixo”, Robert Rauschenberg contestou o dogma estabelecido entre arte e qualquer habilidade pré-estabelecida, deixando ávidos de esperança milhares de interessados no ingresso as Artes, mas que não possuíam uma disposição natural ou adquirida para com o desenho ou a pintura, por exemplo.

Nesse sentido, suas enormes colagens a partir de imagens preexistentes parece ser o fator mais disponível, nem por isso mais fácil, de estimular essas pessoas a embater com o ainda existente tradicionalismo na Arte e suas diversas formas de representação e quem sabe dialogar com a realidade política presente. É tornar o percurso singular de cada um deles e criar um estilo próprio, sem com isso negar seus influenciadores.

No caso de Rauschenberg, o curador Nelson Aguilar enfatiza que “ele é tão importante para a arte contemporânea por ter levado às últimas conseqüências as experimentações de Marcel Duchamp (1887-1968), o precursor do dadaísmo”. Isso se traduz na questão de que esgotada uma experiência deve-se ir além. E o legado artístico de Robert Rauschenberg conquista mais espaço ao explorar técnicas de impressão de fotos em grandes telas, como a serigrafia e litografia.

Hoje em dia, a valorização de obras de artistas como Rauschenberg e muitos outros se resume a leitura de pequenos textos sobre seus feitos sem grande destaque. No mundo contemporâneo onde há uma avalanche de informações em forma de texto, imagem, áudio, etc, a vulgarização se dá mesmo é sob temas de cunhos triviais que chegam a tomar proporções drásticas.

Extraindo mais alguns versos de “O papa é pop” como “o presidente é pop, um indigente é pop, nós somos pop também, antigamente é pop, atualmente é pop, o pop não poupa ninguém”, o importante é conseguir reconhecer paradigmas de nosso tempo que não devem ser simplesmente banalizados. Saber aproveitar o enfoque das principais mídias sociais para popularizar novas percepções de vida e de arte e gerar uma curiosidade ao mesmo tempo proveitosa e permanente, é a maneira mais vantajosa de colaborar com o progresso da sociedade.