UM GOSTO DE CAFÉ


Bigorrilho?...Batel?...Havia controvérsias.Ninguém sabia muito bem explicar onde ambos começavam.Restava a certeza de que eram (são) dois bairros nobres da bela Curitiba.
Controvérsias à parte,tudo o que sei é daquele sobrado nas proximidades da igreja dos passarinhos com sacada abrindo um sorriso à mansidão de telhados guarnecidos por algumas araucárias.
Sei também do calor daqueles abraços e de esmeraldas mergulhadas em poças razas quando as comportas do coração rompiam-se e duas polacas unidas pelo mesmo sangue diziam de suas saudades na emoção do reencontro.
E daquele alemão descendo as escadas...Bom anfitrião,bom relojoeiro,bom cantor...(adorava boleros).
Um vozeirão capaz de causar inveja à tenores.
Um café selando encontros e ...era o melhor dos cafés!
Muitas vezes sonorizado ao dedilhar dum violão e aquêle refrão que ,vez e outra, ousa ainda tilintar em minhas lembranças:

“Detém o tempo te peço///Faça essa noite perpétua///Pra que meu bem não se afaste de mim///Para que nunca amanheça...”
Uma casa recheada de afetos. Um bolero...aquêle gosto de café,a sacada...
A anfitriã,olhar de esmeraldas, e o jeito cativante dum “perder-se”  pensativa ,entre uma tragada e outra.(fumar era o seu vício).
Um bolero na sala de estar.A teia do amor entretecida nas cordas do violão e aquêle olhar disperso no caracol de fumaça , decifrando enigmas que iam muito além dos telhados à sua volta .Era sua marca registrada.Um café antes... um cigarro depois. E com direito à divagações que a transportavam.
Se me fosse concedido o dom da pintura,traçaria em pincéis aquêles momentos e ,dentre tantos, escolheria a cena repetida em reunião de família na paradisíaca Ilha do Mel.
Novamente aquele olhar pensativo,ofuscado na fumaça , vagante entre céu e mar.
Por onde andava seu coração ? Que caminhos percorria sua alma ? Quem saberá !...
Foram felizes . Amaram-se como se amam aquêles nascidos um para outro.
O mesmo refrão entoado por tantas vezes , reafirmou a força do querer, porém , não fora suficientemente forte no apelo de suas linhas:
O tempo não fora detido. Chegou a hora de partir e a grande noite se fez perpétua.Fisicamente afastaram-se e os dias ,que a canção suplicava "para que nunca amanhecessem", retomaram a rotina de seus amanheceres.
Aquela sacada vislumbra num sorriso tímido , dezenas de prédios que hoje sufocam na argamassa o dantes verde das araucárias.
A frieza acinzentada daquelas paredes buscam em céus ,dêstes azuis curitibanos, a arte de ser feliz e daquele endereço,nas imediações da igreja dos passarinhos,onde a felicidade decididamente um dia fez morada.
O cantor de boleros mantém ainda o hábito de ler a "Gazeta" antes de sair.Na boca o gosto de café talvez  não  seja o mesmo e ,céus de lembranças apontam-lhe à garimpos em dimensões desconhecidas onde as esmeraldas refugiaram-se.
O meu café da manhã tem hoje um gosto de saudade.
Ao redor da mesa, calada, outra polaca de olhos esmeraldados perde-se em devaneios.Se fosse adivinha,leria em meus pensamentos as lembranças de “Hilda" (sua irmã) e Geraldo,nosso cunhado.Entes queridos com quem compartilhamos grandes momentos de nossas vidas


Clic no link abaixo para ouvir...


https://www.youtube.com/watch?v=X982j5M4gQM

Texto  reeditado.
Preservados os  comentários aop  texto anterior:

02/03/2012 23:21 - Chico Chicão
Meu caro Joel das belezas polacas dee Irati do meu Paraná querido.Agora sei porque não gostas do quebrar das ondas do mar.São ondas que trazem e levam Saudades...As pessoas passam nas nossas Vidas como as águas de um Rio. O Rio da Vida! *E a Vida continua...* diz aquela cancão,e assim vamos em frente brincando com a Vida e Ela conosco.Obrigado.Fique na paz!


60827-mini.jpg
14/11/2011 19:27 - RobertoRego
Puxa, Joel, arrasou de novo! Fechei os olhos e me vi dançando com a noiva, hoje Dona Mari, na sala de sua casa. Era sábado à noite e, na vitrola, Lucho Gatica soltava o vozeirão cantando "El Reloj", como o seu cunhado Geraldo. Isso, claro, depois do belo café tomado com a noiva, a sogra, o sogro e o cunhadinho caçula. Aplausos, abração, paz e alegria, grande poeta das Araucárias! ...


10/11/2011 15:36 - Carlinhos Colé [não autenticado]
Desta vez você falou mesmo minha lingua. Violão, boleros, café e boas amizades. Pena esse toque de tristeza! Linda crônica Joel!


3617-mini.jpg
10/11/2011 13:53 - Vanderleis Maia
Meus parabéns por tão boa e elaborada crônica, pois nos remete a visitar os bairros de Curitiba, enquanto vai inserindo nela os personagens do cotidiano da cidade-muito boa - Abraços - VEM


59032-mini.jpg
09/11/2011 17:48 - Anita D Cambuim
Joel, você pinta com as palavras e com elas nos toca o coração. Parabéns e obrigada.


98617-mini.jpg
09/11/2011 13:23 -
Amigo Joel. Daqui consegui sentir o gosto da saudade e ouvi o cântico dos passarinhos misturados aos boleros inesquecíveis. Belas lembranças meu amigo, sempre contadas magistralmente pela sua pena mágica e criativa. Parabéns mais uma vez e abraços do amigo Ciro.


35548-mini.jpg
08/11/2011 23:38 - Silvanio Alves
Perfeito como um café!! aplausos!!


25750-mini.jpg
08/11/2011 23:30 - Marília L Paixão
beautiful!