Homonímia

Lia, no trem lotado.

Lia – em pé, apertado, livre ou então sentado (há horários em que isso é possível). Lia.

Lia mesmo. Só ela. Depois, outra. Depois, outras. Outras pessoas. Mas começava com ela. Lia, como o fazia! Como ela só! Indiferente aos outros. Lia – como ninguém! Com toda atenção e calma do mundo! Só você vendo pra entender do que eu tô falando. Meu Deus do Céu...

Às vezes eu pegava o trem em horários diferentes. Cinco da matina, sete, nove... Às vezes nem pegava. Não tinha necessidade, sabe? Com tanta coisa pra ser feita... Deixava pra outros dias. Mas era bom adiar mesmo. Muitos livros nas estantes e... Nada de utilizá-los. Nada. Grande coisa: muitos livros nas estantes. E ela, cada hora com um livro novo.

Outro dia eu entreguei a ela um exemplar de meu livro mais difícil. Aquele mesmo, que foi publicado em terras lusitanas e... e nem mesmo assim me conferiu qualquer retorno mais sólido, mais interessante. "Puxa, Professor... O senhor tem livro publicado?!" "Sim; mas não é só um. São, por ora, cinco livros." E me olhavam sem maior surpresa. Nunca entendi o porquê disso. Como se isso já fosse esperado de um professor como eu. De Português. Ou... Ou sei por que. Nunca me foi revelado. Livro publicado em Portugal, outros livros enviados a uma editora especializada em livros-objeto, na Inglaterra, e... continuo no anonimato. Deve ser fase. Fase zero. Nada se perde, nada se ganha. Farol com lâmpada queimada. A manter segura a escuridão do mar sem fim. Há (des)caminhos pelos quais passam as pessoas e que têm a incrível (hã? hein? oi?) chance de se (des)encontrarem com si mesmas. As únicas companhias com quem teriam a oportunicidade (ou oportunidade única) de conversarem. De pensarem em voz alta. De falarem... Com(o) ninguém.

E volto a ela. Lia. Lia no trem.

Puxa! Já tinha m'esquecido disso! Entreguei a ela um exemplar de meu "Nº 1643". Meu livro que mais me custou para publicar. E que jamais deu qualquer sinal de retorno que fosse no mínimo razoável. (Melhor nem falar nisso. Deixemos pra lá. Por N motivos...). E perguntei seu nome. "Lia". "E o seu?"

WV