Um Homem Tolo

Era tolo, mas não se reconhecia assim. Possuía uma mente que mais parecia um baú de pensamentos obscuros, entorpecidos pelo desejo desmedido de um poder que supunha ser mais merecedor do que todos os viventes da terra, quiçá de toda a galáxia.

Incansável, paciente, capaz de suportar as piores humilhações com uma resiliência espantosa, dialogando incessantemente com sua mente esquisita, precisamente sobre como mostrar ao mundo a sua importância.

E era somente nesse oculto, sob o casco craniano que esconde os pensamentos mais sinceros é que talvez dialogasse com linguagem honesta, apenas consigo mesmo, solitariamente, sem precisar disfarçar as suas frustrações e seus claros desejos de vingança e sua sede de poder.

Sua loucura vinha de longa data. Soube-se que certa vez, quando ainda garoto, tomou a atitude drástica de furar a bola no meio de um jogo de futebol, no melhor momento de seu próprio time, pelo simples fato de não ter sido ele o grande protagonista da equipe. Não se importava com a vitória conjunta, mas com a falta de glória individual, que desejava a qualquer custo.

Mas se engana o leitor ao pensar que tomou tal atitude de forma ostensiva aos olhos pasmos da torcida. Não, esse não era o seu feitio. Fez disfarçadamente, dissimuladamente, aproveitando-se daquele exato instante em que os afagos das comemorações atingiram o ápice, no exato instante em que as atenções se encontravam dissolvidas pelo êxtase do golaço de um dos seus companheiros.

No dia-a-dia cultivava uma forma de comunicação cifrada, obscura, pelas estrelinhas. Isso lhe dava um ar misterioso que o fazia parecer mais inteligente do que realmente era, como se estivesse sempre um passo à frente dos demais, que soubesse sempre um algo mais, desconhecido e inimaginável pelos comuns.

Na prática, seus chavões eram como meias largas que se encaixam nos pés de qualquer indivíduo, meras conjecturas maliciosas disfarçadas de provérbios postos em contextos duvidosos, em geral para prejudicar alguém de quem não gostava.

Esse “modus operandis” consistiu em seu principal método de sobrevivência. Com isso, provocou todos os males possíveis sem se comprometer diretamente, e foram males com danos multiplicados pelas imprecisões de suas frases, ou sejam, que atingiram a muitos.

Tanta maldade de coração já o faria danoso em qualquer posição que ocupasse na vida, mas nada seria comparável àquela que julgava ser sua por justiça universal, a da liderança de muitos, missão dada por Deus somente aos grandes, como ele.

Mas a grande ironia da vida consistiu em ser essa crença obstinada o maior dos obstáculos para a realização de suas ambições, tornando-o um escravo de suas próprias loucuras e devaneios.

Não se sabe exatamente como foram seus últimos dias. Dizem que se desfaleceu, caiu em profunda melancolia após a aposentadoria compulsória que o conduziu ao total ostracismo e o levou a morrer sem nenhuma glória, nenhum brilho, nenhuma honraria que tanto almejou ao longo da vida.

E como disse o poeta, “cumpriu sua sentença e se encontrou com o único mal irremediável”.

E por fim, ao criador, que não se engana por códigos humanos e artimanhas, foi ter conversa franca e aberta na esperança de obter alguma misericórdia.