Do outro lado do vidro

Estava voltando do trabalho. Chovia e lá fora estava muito frio. O som do carro tocava uma música melancólica – o que combinava muito bem com o clima. Naquele horário o trânsito não era muito complicado, mas a chuva tinha mudado um pouco a rotina.

Em um dos muitos semáforos do caminho, a luz vermelha acendeu e eu parei. Reparei, em meio à chuva, que havia alguém caminhando entre os carros. Ao aproximar-se, percebi que era um senhor tentando vender balas. Estava no conforto do meu carro e pensei: “Não gosto de balas. Não vou abrir o vidro nessa chuva.”

Por algum motivo o homem parou diante da minha porta como quem esperava uma reação de minha parte. Eu não tinha intenção de abrir, mas ele continuava ali. Resolvi então despachá-lo e, baixando um pouco o vidro, lhe disse: “Meu senhor, eu não consumo balas”. Ele, sem demonstrar nenhum desapontamento, disse-me: “Tudo bem! Aceite ao menos meu cumprimento de boa tarde e que Deus o abençoe!”

O sinal abriu. Agradeci-lhe, enquanto ele já se afastava para a calçada. No restante do meu caminho fui pensando no olhar daquele homem e na sua delicadeza. Seus olhos eram sofridos, mas ao mesmo tempo falavam de esperança. Alguém que tinha tão pouco, mas oferecia algo do melhor que trazia em si: seu amor e sua bondade.

Chegando em casa, como de costume, troquei de roupa e fui preparar o jantar. Moro sozinho há muito tempo e sempre lidei muito bem com a solidão. Naquele fim de tarde, porém, não me sentia só. A presença daquele senhor parecia continuar comigo. Foi então que percebi que tinha sido tocado por aquelas palavras e sabe por quê? Porque elas tinham me feito perceber que todo ser humano merece ser tratado como gente e que nada me dá o direito de tratá-lo como se fosse um ser inanimado.

Naquele dia, pela doçura daquele homem, me senti mais homem!

Manoel Gomes Filho
Enviado por Manoel Gomes Filho em 22/07/2017
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