Felicidade
 

Felicidade. Este era o tema da aula.

Um instante de vida que vale por si só. A visão beatífica da eterna bondade, verdade e beleza. Desejo de todo ser humano. Contemplação das virtudes. Busca daquilo que nos completa. Estado durável de plenitude. Bem-estar espiritual. Equilíbrio na satisfação dos desejos. Paz interior. Eudaimonia.

Na Filosofia e na Literatura, encontraríamos vários conceitos para a felicidade. Mas naquele dia, ao fim daquela aula, eu senti, sem esperar, surpreendentemente inusitado, o que realmente nos torna felizes. Uma felicidade que encontra, sim, correspondência no mundo antigo dos gregos, mas que ultrapassa qualquer explicação filosófica, simplesmente por ser uma experiência prática, distante do universo teórico das palavras. 

A aula transcorria como planejado. Após assistir a um vídeo motivacional, discorri sobre o tema. A intenção era proporcionar aos alunos uma reflexão acerca de suas próprias vidas. Tratando-se de uma aula de Redação, a proposta foi feita, a elaboração de uma carta pessoal. Parece arcaico, mas as cartas nunca saem de moda, ainda que não sejam estampadas em vitrines. E pasmem, há muitos viventes deste século que nunca tiveram a graça de receber uma cartinha em sua caixa de correios. O intento era de que os alunos escrevessem uma carta a um amigo, relatando um momento de felicidade que vivenciaram juntos, ainda que o amigo nem se lembrasse ou percebesse que fora um instante feliz. Com isso, esperava eu que meus alunos tornassem uma pessoa feliz por um instante.

Já próximo do encerramento da aula, já quase ouvindo o sinal iminente, eis que me batem à porta. Sou chamado. E diante de mim, uma jovem com um sorriso encantador, daqueles que nos tornam felizes apenas com o olhar. Encarando-me, disse: “obrigada!”. Confesso que por um segundo, mas apenas por um segundo, antes de ouvir, claramente, essa palavra pronunciada por lábios sinceros, tive um ímpeto de fúria, por ter sido interrompido em minha aula. Contudo, ao receber, inesperadamente, um gesto tão magno de gratidão, que até então não o esperava, o furor dissipou e passei para um estado mais potente de meu ser, senti alegria.

Ali estava um instante que valeu a pena ser vivido. Um instante que eu desejei que durasse um pouco mais.

Com um embrulho nas mãos, a jovem, olhando-me com uma admiração mais do que merecida, ofertou-me um presente. Um mimo que de tão verdadeiro ultrapassou toda a esfera da lembrancinha. Foi o presente mais magno que recebi na condição de educador, pelo simples fato de ser inesperado, sincero e, sobretudo, humano. Mais que isso, um presente do qual não era merecedor, porque, na verdade, não me sentia como tal.

Passei e passo todas as semanas com centenas de alunos, a experiência ilusória de conhecimento partilhado. Alunos que passaram por mim por vários anos e, simplesmente passaram, como deve ser, e nunca me disseram o sum gratus. Com raras exceções, claro, não sendo injusto, ouvi, sim, algum agradecimento por ter feito parte de uma história de estudos. Aquela jovem, porém, estivera comigo apenas alguns minutos. Tivemos uma improvisada aula, sem nenhuma pretensão, salvo a satisfação de atender a um pedido humilde de ajuda. Minutos que para essa moça se tornaram uma experiência discente jamais visualizada por mim. E o resultado desse encontro, que agora jamais me sai da memória, foi o êxito alcançado por ela nos exames seletivos do vestibular. Aprovada.

E para me provar a merecida conquista, ela me procura para agradecer por minutos de experiência real de conhecimento partilhado. Sem dúvida, a sua felicidade era grande. No entanto, a minha felicidade atingiu a beatitude aqui na terra. A minha aula se comprovava. Nas palavras do filósofo, aquela jovem foi a causa de minha felicidade por um segundo de vida ali. Um instante que eu desejaria que tivesse durado um pouco mais. Mas se já findo está no tempo dos homens, perpétuo se consagra na minha memória.

Felicidade é isso...

In: Ler-se(r), 2016, p. 117