Sem fantasia, por gentiliza

Fico descontrolado quando preciso me definir. Porque não gosto de perguntas sem resposta ou perguntas com um milhão de respostas. Sei que sou tranquilo a ponto de ver o circo pegar fogo ao meu lado e nem me abalar. Mas também sei que sou estressado a ponto de eu mesmo tacar fogo em alguns circos por aí. Sei que sou ágil quase no limite do desespero. Mas posso irritar as pessoas nos meus dias de lentidão. Sou afetuoso, amoroso e paciente. E implicante, chato e intolerante. Sei que tem gente que me acha esse jeito um palhaço de galocha. E outros que me acham um bruxo. Não posso discordar de ninguém. Sou tudo isso mesmo. Só não sou volúvel. Quer dizer, sou sim. Ou melhor, não sou não. Ah, sou volúvel, sim. Ou não? Sei lá. Acho oscilar a coisa mais humana que existe e desconfio muito de quem é do mesmo jeito o tempo todo.

Verdade! Me sinto muito mais seguro ao lado de gente que reage (aqueles que choram, se irritam, ficam bravo, têm ciúmes, preguiça), do que dos inabaláveis. Porque quem reage é transparente, está sem máscara. Enquanto os outros escolheram uma fantasia bonitinha e vão vivendo egoistamente sem deixar que ninguém os conheça de verdade. A troco de quê? Não sei. Nunca consegui invadir a alegoria de um desses para perguntar.

Prefiro conviver com os vários personagens que existem dentro de mim a sustentar uma única farsa. Dá trabalho demais e nem nos mínimos detalhes eu dou conta. Tenho um exemplo bom para isso. Certo dia, fui convocado para uma reunião de trabalho que tinha como objetivo questionar meu jeito de ser. Pois é. Diante da impossibilidade de apontar falhas no meu trabalho, que sempre foi feito com muito rigor, levantaram uma falha no meu comportamento. Qual falha? Tenho até vergonha de repetir isso, mas já que eu comecei vou terminar: eu não estava teclado aquelas carinhas sorridentes no fim das mensagens. Sim, não precisa voltar ao início do parágrafo. Você não leu errado. Não estou falando de esposa/amiga/mãe. Estou falando de pessoas com as quais eu me relacionava estritamente no campo profissional e me achavam antipático porque eu não mandava “carinhas sorridentes”. Mas é claro que não! Meu bom humor são muito caros para eu gastar com qualquer um. E, ora essa, eu sei me comportar. Um “atenciosamente” encerra um e-mail de trabalho muito bem e obrigado.

Naquela ocasião eu senti uma indignação tão grande que tive vontade de chegar lá no outro dia com uma comitiva. Queria levar meia dúzia de amigos pra dizer o quanto eu sou divertido e capaz de fazê-los rir. Queria levar minha mãe, esposa, filha e filho pra dizer que nunca fiz uma mal criação. Queria levar o Dudu, meu neto de dez anos, pra dizer que eu sou a adulto preferido dele. E a Maria minha secretária do lar também, para contar quem eu sou de verdade. Mas foi uma vontade passageira, porque então me toquei de uma coisa. Eu não precisava provar para ninguém que eu podia ser doce e meigo. Quem precisava saber disso, já sabia. Aquelas pessoas só precisavam saber que eu era responsável, comprometido e muito sério na minha vida profissional. Eu não vestiria a fantasia do palhacinho amoroso no trabalho.

Forçar um comportamento é uma conveniência que não é para mim. Acho que quem gosta de se fantasiar deveria aproveitar que o carnaval está aí para se esbaldar. Mas na quarta-feira de cinzas, é mais elegante deixar a fantasia de lado. Porque, veja o óbvio, uma máscara pode até esconder quem você é de verdade. Mas todo mundo está vendo que você está de máscara. E isso é ridículo.

Jova
Enviado por Jova em 20/07/2017
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