Mulher Maravilha

Filhos pequenos demandam atenção constante. Vesti-los fica por conta da mãe. O pai faz isso de vez enquanto. O que lhe cabe é reforçar a ordem da matriarca quando falta obediência. “Coloca o chinelo Rafael, tua mãe já não falou?!”. “Izabel, escova os dentes. Tua mãe vai ter que falar quantas vezes?!”. O divertimento, quase sempre é a parte do pai. Levar ao parque para brincar, ler um livro à noite. A estória da Chapeuzinho Vermelho é uma das preferidas. Ele adora interpretar o lobo-mau com voz grossa quando pega a vovozinha.

Atualmente, ter dois filhos e um perto do outro é exagero, é trabalhoso. As pessoas ficam espantadas e exageram ao dizer que é o mesmo que ter uma creche em casa. Ainda mais quando a diferença de idade entre eles não chega aos dois anos. Dizem que a mulher que decide fazer isso de forma planejada é uma espécie de guerreira dos dias atuais, uma pessoa corajosa na contramão da civilização.

O que faz com um tem que fazer com o outro. Vestir, dar mingau, banho, a higiene bucal. Tudo é dobrado, mas o que se faz para um se faz para dois automaticamente. O tempo a mais do que dizem ser trabalhoso não significa perda. Basta acordar um pouco mais cedo e se programar para organizar as ações. Depois de prontos é ganho, a diversão é garantida. A mais nova repete tudo o que o irmão faz ou pelo menos tenta. Quando ele corre pelado antes de trocar de roupa, começa a pular e canta “peladão, peladão”, a menor imita. Eles provocam o pai para que corra atrás e dê uma palmada na bundinha branca de cada um. E tem que ficar vermelha senão reclamam que não valeu. O prazer nas risadas é indescritível.

Em um mundo de filhos únicos, é recompensador vê-los interagindo um com outro, brincando o outro com um. A amizade entre eles e a falta que sentem quando não estão juntos é comovente. É gratificante ver que o trabalho de amamentar, levar para o médico, para a creche real ou para o maternal na escola não é nada de anormal do que se faria para o filho se único fosse.

Além da creche, o mesmo espanto é para quando reparam na mãe. Depois de dez meses amamentando a segunda cria, a guerreira já está de volta ao emprego. A Agência de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos mostra que há um número crescente de mães jovens deixando o mercado para se dedicar exclusivamente à educação dos filhos. Isso ocorre em todas as faixas de educação e renda. Contrariando esta tendência, ela também tem responsabilidade com os filhos dos outros. Ensinar de maneira eficiente é o papel de qualquer professora com vocação para lecionar.

As tarefas domésticas mesmo com a ajuda de uma secretária do lar também demandam tempo. E se já não bastasse tudo isso, ainda precisa cuidar de si. Mais do que a vaidade feminina, o zelo para gerar a autoestima obriga a mãe separar mais tempo e, claro, dinheiro. Tem que tratar o cabelo e aprontar as unhas. A saúde e o corpo também exigem algumas horas de exercício físico por semana.

A academia contribui para recuperar a forma anterior à gravidez. No dia a dia entre aparelhos e conversas com as amigas, o corpo desincha e perde gorduras localizadas. A última gestação regrada na parte gastronômica auxiliada por uma atividade física moderada facilita a rápida recuperação. Algumas pessoas ficam espantadas quando anuncia que administra uma creche recém-formada em casa. Acostumados a verem mães-trabalhadoras-mulheres assim só em programas de TV ou em revistas femininas, a admiração é motivo de elogios respeitosos e de olhares nem tanto. Em vez de se incomodar com o assédio implícito, prevalece o orgulho do marido.

Os olhos dele percorrem o salão cheio de aparelhos da academia e os espelhos esticados nas paredes permitem uma visão panorâmica de 360 graus. Mulheres belas desfilam entre um exercício e outro e não carregam apenas um corpo sarado, mas uma carga de responsabilidade que torna o mundo melhor. Em uma roda de conversa, elas comemoram mais um nascimento. Uma daquelas mulheres-trabalhadoras-mães que emanam a alegria da independência e da liberdade revela que acaba de se tornar avó. É inevitável lembrar o conto infantil que as crianças adoram. Só que o lobo mau hoje não teria uma empreitada tão fácil ao querer comer a vovozinha. Provavelmente, ela se transformaria na Mulher Maravilha, que adiou a aposentadoria, ao ser assediada.

O lançamento recente do filme da heroína transmite uma mensagem que perde para a realidade. Na academia, dezenas de mulheres maravilhas começam o dia levantando pesos, correndo na esteira, conversando de forma descontraída, saindo arrumadas depois do banho tomado para o trabalho, umas chegando de mãos dadas com os filhos e outras se gabando com o nascimento do neto.

Atualmente, o homem tem papel coadjuvante na base familiar. Embora alguns reconheçam isso, outros não percebem que a vida não gira mais ao redor do sexo masculino. Sem o apelo sexista, a essência da revolução feminina colocou a mulher no devido lugar. Embora muitos deles não admitam, hoje, além de genitora, ela é quem sustenta o mundo. A diferença apenas é que ela faz isso sem exigir premiação ou reconhecimento, embora mereçam ganhar um Oscar a cada dia.