Na fumaça da fogueira... 

     1. Este ano, meu são-joão foi entre meus livros. Vale dizer que não ultrapassei os limites do meu gabinete de leitura e onde, nas horas vazias, escrevo algumas bobagens e ouso publicá-las.
     Resisti, heroicamente, aos apelos da festa de São João que pede que caiamos no forró, inté o sol raiá.
     2. No bairro onde moro, cá em Salvador, a Pituba, como acontece no carnaval, que pouco se ouve o seu ruído, também no são-joão as músicas joaninas quase não se escuta.
     Até o foguetório saudando o santo do carneirinho, há algum tempo, vem diminuindo consideravelmente.
     3. Para não dizer que estive completamente ausente da festa do Precursor, participei da ceia, improvisada por Ivone, minha mulher, com  as iguarias do saboroso cardápio dos festejos comemorando o nascimento do filho de Isabel e do velho e desconfiado Zacarias.
     4. Atento à minha oscilação glicêmica e ao tal do colesterol, comi e bebi de tudo um pouco.      Tinha canjica, bolo de milho e de carimã, licor de jenipapo - o meu licor preferido -, e amendoim cozido, só na Bahia encontrado, creio eu. Talvez, em Sergipe. 
     5. Apesar de distante da gandaia joanina, nem por isso, no silêncio do meu gabinete, deixei de recordar antigas noites de São João.
     De tudo que essa singular festa oferece eu participava, com alegria e entusiasmo. Namorava, comia, bebia e dançava a noite toda.
     6. Nunca me trajei de caipira. Nada de bigode e costeletas postiças ou pintadas, embora ache uma gracinha, nos outros. 
     7. Para ser sincero, apenas num são-joão, obrigado pela momentânea liturgia, vesti-me como um autêntico matuto cearense.
     Botei um chapéu de palha; arrisquei um bigodinho feito com uma cortiça queimada; e usei uma calça sambada, com remendos improvisados. Riram muito de mim. Aguentei firme.
     8. Aguentei firme e digo por quê.      
     Havia sido escolhido o "noivo" da noite. Ao pé da fogueira, tímido e encabulado, dei o braço à "noiva", uma linda menina, e nos "casamos", ao som de uma música junina do Luiz Gonzaga, que já não me lembro qual.
     9. Eu era um garoto bonito e árdego, vivendo intensamente os meus doze anos; e ela, no vigor dos seus onze anos, meiga e bela...
     Quase me apaixonei. Quase? Uma brincadeirinha que podia ter nos unidos num casamento de verdade. É correto o dito popular: "Com fogo, não se brinca".
     10. As juras e promessas, que fizemos, sumiram na fumaça que saía da fogueira como o incenso quando é queimado foge de um abençoado turíbulo. Ela e eu tomamos rumos diferentes; nunca mais nos vimos...
     11. Aquela fogueira! Já tão distante! Ao relembrá-la - faço-o sempre nas noites de São João -, morro de sau-da-de!... 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 26/06/2017
Reeditado em 26/06/2017
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