Búzios

Em meio às minhas indecisões cotidianas, lançava-me ao futuro e o depositava naquelas pequenas conchas que caiam lentamente sobre a mesa. Tudo que eu precisava saber estava ali: nas mãos de uma baiana, um pouco senhora, com um ar angelical, dona da missão de transmitir as mensagens dos orixás, de contar-me o meu futuro. Nunca tinha jogado búzios e não entendia bem como aquelas 16 conchinhas poderiam dizer mais do que as certezas da vida mas, curiosa, atirei-me toda àquele momento e entreguei o futuro ao futuro aliás, entreguei-o àquela senhora bem ali, na frente. Logo na primeira jogada estava com os braços cruzados e assisti, incrédula, todas as conchas caírem pra baixo. Todas. A senhora olhou, ressabiada, o que despertara a raiva dos Deuses? Dos 16 orixás? Já aceitava o que me aguardava: não iria dormir, não seria feliz, talvez não passasse ao menos daquele dia. Meu futuro estava lançado: viveria com as conchas viradas pra baixo. Foi assim que, singela, a senhora pediu para que eu descruzasse os braços. Simples assim. Por ora, não acreditei que esse pequeno ato poderia interferir tão fortemente no jogo mas, já que estava ali, coloquei minhas duas mãos na mesa e respirei fundo.

Ela, dizendo algumas palavras que eu não compreendia, balançava as mãos fechadas e dizia meu nome. As conchinhas faziam um barulho que, naquele momento, era ensurdecedor. Era o som do meu futuro, do meu próprio coração, do medo e da esperança, da insônia e do sono. De repente, ela lançou-as à mesa num segundo de paz. Enquanto as pedrinhas caiam, por um breve momento, não me senti só. Senti que, junto a mim, estavam os 16 orixás que regiam as pedrinhas, estava a senhora e, também, meus sonhos. Naquele breve segundo, desejei profundamente que todas as conchas caíssem viradas pra cima enquanto depositava todas as minhas forças num futuro que eu mesma imaginara: seria feliz independente das previsões, das conchas ou, até mesmo, das cartas. Olhava para a mesa mas, em verdade, olhava no mais fundo de mim numa busca incessante pelas minhas expectativas mais sinceras, pela mais pura visão do amanhã que minha alma conseguiria desenhar. Queria cruzar os braços, costumo ficar com eles cruzados, mas, forte, resisti, e sou capaz de jurar que, amparada pela minha mente, virei as conchas no ar. Fechei os olhos e, lentamente, espiei o resultado: todas estavam viradas pra cima.

Respirei aliviada. Bastou um segundo de esperança! Um segundo de arrependimento, de braços descruzamos, para que os orixás me perdoassem. Bastou um segundo para que eu me perdoasse. Para que o futuro fosse bonito e para que eu o merecesse. A senhora sorriu e, tomada por uma doçura leve, disse-me: "viu? Era só descruzar os braços". Sorri.

Talvez aquela baiana estivesse certa, talvez o segredo seja descruzar os braços, acreditar, lutar por algo além da realidade enquanto desvendamos o charme de um misticismo encantado e fugimos do dia e da verdade. Como quando, por um segundo, acreditamos no amanhã que imaginamos e damos tudo, até o mundo, por aquele futuro. O jogo só havia começado.

Fernanda Marinho Antunes
Enviado por Fernanda Marinho Antunes em 21/06/2017
Reeditado em 11/01/2018
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