Coqueiros para-raios


     1. Acabo de ler 'Nossos coqueirais', u'a crônica, bem cearense, da escritora alencarina Ana Miranda. Depois de página tão bonita, diria que se torna difícil escrever algo sobre o pé de coco; e mais difícil sobre o coqueiral.
     
2. Querendo cronicar sobre nossos coqueiros, mas sem saber fazê-lo com a mesma  sensibilidade de Ana Miranda, pensei em desistir.
     
3. De repente, achei que poderia dizer alguma coisa sobre eles, com a ajuda de nossos cancioneiros e de um poeta que os alcançou em versos de inigualável inspiração. 
     
4. Os pés de coco estão em toda parte. A gente os encontra no mais escondido e longínquo sertão e na beira dos mares de todo o mundo.
     
5. Falando em mares, recordemos o que  José de Alencar escreveu, em Iracema:       "Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do Sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros".
     
6. Vinicius de Morais, em Tarde em Itapuã, lembra os coqueiros nestes versos eloquentes e delicados: "Depois sentir o arrepio/ Do vento que a noite traz/ E o diz-que-diz-que macio/ Que brota dos coqueirais = É bom!/ Passar uma tarde em Itapuã/ Ao sol que arde em Itapuã/ Ouvindo o mar de Itapuã/ Falar de amor em Itapuã".
     
7. Luiz Gonzaga, no baião Imbalança, fala no coqueiro: "Óia a paia do coqueiro/ Quando o vento dá/ Óia o tombo da jangada/ Nas ondas do mar,/ Imbaçança, Imbalança, Imbalançá".
     
8. Ary Barroso (1903-1964), em Aquarela do Brasil, versejou e musicou: "Brasil, Brasil/ Pra mim, pra mim/ Oh, esse coqueiro que dá coco/ Onde eu amarro minha rede/ Nas noites claras de luar".
     9. "...coqueiro que dá coco" , e logo os críticos, elogiando a música e o músico, passaram a indagar, ironicamente, se, além de coco, o coqueiro dá outra fruta. Vez em quando esse assunto entra em pauta.  E a Aquarela do Ary segue sendo cantada em todos os continentes, e, quem sabe, até em Plutão.
     
10. Em Caymmi (1914-2008) o coqueiro está
 na sua canção Coqueiro de Itapuã. A praia de Itapuã, uma das mais encantadoras do mundo, é totalmente adornada por coqueiros dançantes, cuja exibição, alegra os olhos e o coração. E na canção, diz Caimmy, que o vento "faz cantiga nas folhas/ No alto do coqueiral".
     
11. Gonçalves Dias (1823-1864) deixou-nos a Canção do Exílio. Nesse poema - que antigamente até as criancinhas  sabiam de cor -, mesmo chamando os coqueiros de palmeiras, consagrou-os neste conhecido verso: "Minha terra tem palmeiras,/ Onde canta o sabiá;/ As aves que aqui gorjeiam,/ Não gorjeiam como lá".
     E faz esta súplica: "Não permita Deus que eu morra,/ Sem que eu volte para lá;/ Sem que eu desfrute os primores/ Que não encontro cá;/ Sem que aviste as palmeiras, Onde canta o sabiá". 
     
12. Ia me esquecendo de Coqueiro Velho, um samba-canção interpretado pelo saudoso Orlando Silva (1915-1978).
     Fez parte do meu repertório nas minhas serestas, eu um árdego mancebo, perambulando pelas madrugadas de lua cheia na Fortaleza dos anos 1950. 
     
13. Diz a seresteira música orlandina, de 1940, mas muito tocada, ainda hoje, nos programas em que se homenageia a saudade...      "Coqueiro velho/ Abatido pelos anos/ Ninguém sabe os desenganos/ Dessas folhas descoradas, caídas, vencidas/ Somente a palmeira coitada/ Que a ventania malvada levou/ Separando sem dó duas vidas".  
     
14. Fechando esta nostálgica croniqueta, me deixem contar por que me lembro com saudade e prazer dos pés de coco; do coqueiro. É uma historinha que, há anos, ou décadas, guardo na memória, esperando a hora certa para ganhar asas. 
     
15. Muito bem. Na minha casa sertaneja, como costumo dizer, lá nos canfundós do Ceará, os coqueiros esguios e farfalhantes que enfeitavam seu terreiro, eram os meus para-raios!
     
16. Nos dias de tempestade - que raramente acontecia, pois, no meu sertão não chovia -, eles recolhiam, com coragem, os raios que o céu mandava, me enchendo de pavor. Nunca tolerei trovões e relâmpagos.
     
17. Nesse tempo, década de 1940, nos sertões mais distantes, o para-raio inexistia. Apesar de ter sido descoberto e desenvolvido em 1752 pelo cientista norte-americano Benjamin Franklin (1706-1790).
     
18. Sou grato, pois, aos coqueiros por me terem livrado, eu menino, da ação devastadora dos raios nordestinos e sertanejos.
     Mas não nego: com tantos para-raios guardando o prédio onde moro e os da vizinhança, ainda morro de medo quando risca no ceú o mais acanhado relâmpago. Trauma de infância? Não sei.

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 29/05/2017
Reeditado em 27/10/2020
Código do texto: T6012864
Classificação de conteúdo: seguro