História de Pescador

Estava no povoado de Luis Alves, na margem direita do alto Araguaia, Go, onde fui praticar pesca esportiva, na qual não se mata o peixe e o único troféu é a fotografia.

O que se leva desta modalidade de pesca, além da foto, é a lembrança de momentos descontraídos; os aplausos dos amigos, quando se pega um peixe grande; ou as gozações, quando o deixa escapar, ou se fisga qualquer outra coisa que não um peixe, se vibra como se peixe fosse e se decepciona ao descobrir o engano; além de muitas histórias que se vive e se ouve.

Não foi a primeira vez que estive no Araguaia pra pescar e espero que não tenha sido a última. O rio Araguaia talvez seja o que ostenta o maior número de espécimes de peixes e já foi considerado o mais piscoso do mundo, mas, infelizmente, hoje não é assim, embora ainda continue sendo um dos melhores pesqueiros do Brasil.

O peixe não é o único atrativo do rio Araguaia. Sua fauna se revela rica e digna de ser apreciada e, em época de seca, ostenta inúmeras praias.

Além dos peixes, são destaques as aves que por lá habitam, sendo presenças constantes em suas margens: biguá, andorinha, martim-pescador, maçarico, frango d'água, gavião, garça, sua majestade o tuiuiú, além de diversas outras aves pernaltas, de cores diversas, que não sei identificar. Tucanos e araras também são vistos com frequência voando de uma margem para outra.

Na pousada em que estava hospedado vi pica-pau e joão congo, com sua plumagem preta e amarela, além alguns pássaros cantadores, estes sempre presentes no tabuleiro de comida fixado sob uma frondosa árvore.

Nas matas de suas margens, ao entardecer, podemos ver os bugios, macacos cuja inconfundível vocalização que emitem ao por do sol, pode ser ouvida à considerável distância. Aliás, o por do sol por lá é um espetáculo à parte, que não dá pra descrever, assim como o alvorecer.

Nas praias do alto Araguaia ainda existem jacarés, embora já não sejam tantos como antes.

Desta vez não vi ariranhas e capivaras, mas o "piloteiro" (aquele que pilota as "voadeiras", como é chamado barco de pesca) informou que já não é tão fácil encontrá-las por essas bandas, mas ainda existem.

Ver uma onça é coisa rara e só quem já a viu livre em seu habitat sabe a emoção que se sente. Eu já a vi andando numa praia, uma vez só, e outra, de relance, no meio da mata.

Mas o que quero é tentar descrever o que vivenciei no fim da tarde do segundo dia de pesca:

Estava pescando num remanso quando surgiram quatro ou cinco botos caçando o jantar. Para quem não sabe, o boto é presença frequente no Araguaia, e vê-los caçando é fato comum, para desespero dos pescadores, pois quando isso ocorre os peixes fogem, além do que são eles exímios ladrões de peixes recém-pescados, ainda não embarcados, e da própria isca viva, sabendo, não sei como, evitar serem eles próprios fisgados, mas quando isso acontece, a perda de anzol e da linha é certo, ocorrendo situações em que se perde também a vara de pesca.

Eles agem de modo articulado, cercam e encurralam um cardume e em seguida atacam, ocasionando grande agitação.

O diferente, desta vez, é que o cerco dos botos deixou o meu barco no meio do cardume, de modo que, quando partiram para o ataque, o fervilhamento dos peixes criou um espetáculo grandioso: eles disparavam em todas as direções, com saltos múltiplos e evoluções fantásticas; chocavam-se com o barco em todos os lados; a luz alaranjada do por do sol refletia no prateado dos peixes, tornando-os multicoloridos e a água do rio com um tom avermelhado; os sons produzidos pelo bater dos peixes no barco, o chocalhar da água, a respiração dos botos, os gritos das gaivotas e outros pássaros que evoluíam acima da cena e davam rasantes atacando os peixes que nadavam na flor d'água, somavam-se às vozes que se elevavam do barco em que eu me encontrava e de outros dois ou três avizinhados e; de um dos barcos vizinhos foi lançada, com maestria, uma tarrafa, que enredou peixes em pleno salto e muitos dentro d'água. Tantos que ocasionou o seu rompimento parcial e ainda assim mais de cinquenta curimbas foram embarcados.

Todas as ações ocorreram simultaneamente e pareciam perfeitamente harmônicas, tanto que, no fim, todos, espontaneamente, aplaudiram.

Foi um espetáculo digno da grandeza do rio Araguaia, que durou não mais de um ou dois minutos, mas que deverá permanecer por muito tempo na lembrança daqueles que o assistiram.

Hegler Horta
Enviado por Hegler Horta em 26/05/2017
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