ENTRE O CHEIRO DE CAFÉ E O DE MARESIA

Sempre morei rodeado de mar. Eu mesmo já me senti uma ilha. Afinal de contas Florianópolis, cidade em que nasci, é uma ilha e eu morava no continente. Quando criança pensava que o resto do mundo era todo igual.

Pelas manhã ouvia o apito dos navios chegando na “Ponta do Leal”, onde havia o que chamávamos de “latões” da PETROBRAS, para descarregar óleo, gasolina, querosene e gás, derivados de petróleo.

Eu acordava todos os dias para ir pra aula com o cheiro do café fresco (que meu pai fazia) e o da maresia. Afinal eu morava a pouco mais de quinhentos metros do mar.

Cresci neste ambiente simples e gostoso. Sai pela primeira vez de casa para uma viagem ao Rio de Janeiro quando já tinha quase 22 anos. Fiquei encantado com aquela metrópole. Era tudo grandioso, movimentado, mas a geografia era muito parecida com a da minha terra. Chacoalhei durante 22 horas num ônibus convencional da “Autoviação Penha”. Que chic eu me senti.

Eu fui visitar minha tia Lourdes que morava há muito tempo no Rio de Janeiro. Sempre falou-se naquela cidade como algo maravilhoso. Até as músicas cantavam seus encantos. Não tínhamos televisão. O máximo que tínhamos eram os cartões postais. Uma beleza indescritível para um sonhador que vivia catando revistas e jornais velhos na rua (nunca inteiros, sempre uma única folha rasgada, mesmo assim eu lia).

A geografia das duas cidades, Rio de Janeiro e Florianópolis, eram muito parecidas: morros e muito mar no pé das montanhas. Para todos os lados que a gente olha é isto o que vemos. Além do mais o Rio de Janeiro também tem a sua ilha de Niterói bem na frente da cidade. As praias são tão belas, numa e noutra.

Meu primeiro choque com a geografia aconteceu quando viajei para o nordeste. Faltavam lá os morros para encantar a paisagem. Nunca vira o mar tão infinitamente grande e assustador, foi assim em Natal e Fortaleza.

Mais tarde, depois dos cinquenta anos, comecei a me aventurar pelos países da Bacia do Prata: Uruguai e Argentina. Lá também o horizonte é infinito e o mar grandioso. Só que o Oceano é o Pacífico e não o nosso Oceano Atlântico.

Neste momento, eu me recolho em minhas reflexões, percebendo o quão pequeno sou diante da grandeza e da força do mar ouvindo suas ondas batendo na frente da casa de minha amiga Maria da Graça. Aprendi a viver no litoral do Rio Grande do Sul sem reclamar das montanhas que faltam atrás do mar.

Volto à realidade ouvindo o chiado da chaleira fervendo onde minha amiga passa um café cheiroso que ameniza o gostoso cheiro de maresia, sem o qual não sei viver.

Minha memória sempre foi acentuada quando ouço ou vejo, e, sem ouvir o mar ou sentir o cheiro de café eu prefiro que “me tirem os tubos”, como dizia um personagem de Jô Soares quando acordava de um coma e se deparava com uma realidade estranha a que estava acostumado.

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23.05.17

(Texto produzido na Oficina Literária Mário Feijó, nesta data)

MÁRIO FEIJÓ
Enviado por MÁRIO FEIJÓ em 23/05/2017
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