QUEM REPRESENTA O QUÊ?

Ilusão do Progresso. Legitimidade da Representação.

O filósofo Jhon Gray, festejado pensador contemporâneo, cuja fluência da simplicidade convence e espanta pela clareza e logicidade óbvias, demonstra que o interesse do homem sempre foi o mesmo em épocas remotas e atualmente.

Sustentado nessa premissa adita ser o progresso mera ilusão.

Não está colocando em dúvida os progressos relativos ao saber, ao conhecimento, às ciências; estes avançaram e avançarão postos disponíveis para a humanidade.

Afirma ser ilusão o progresso do homem, anímico; progresso interior.

Não haverá despojamento pelo homem de seus interesses que sempre foram os mesmos; não importam seus próximos.

O famoso e sempre presente egocentrismo.

Ouse-se contrariar sua posição escutada a historia do homem!

Gray considera o iluminismo e as grandes cerebrações do intelecto, direcionadas a apontar a melhora do interior humano, frustradas de sucesso. Mesmo se dizendo não cristão, sinaliza o cristianismo como o grande veículo de realização humana sob aspecto coletivo e única opção viável.

Paulo de Tarso (São Paulo) e Santo Agostinho são, segundo sua convicção, os grandes mentores do credo revolucionário do interior humano, que seria mutante de todos os hábitos e costumes (normas enfim), se aceitos pela humanidade os princípios do cristianismo. Extinguir-se-íam a ausência de solidariedade, o egoísmo, a estagnação no doar-se sem trocas, a avareza, a pusilanimidade no enfrentamento das dificuldades que constroem as grandes almas na entrega às grandes causas, enfim, à construção do bem, da virtude.

MAS O INTERESSE PESSOAL NÃO PERMITE QUE O INTERESSE DE TERCEIROS E, POR SEGUIMENTO O COLETIVO, SEJA SATISFEITO.

Interesse, direito como ciência, política e representação por sufrágio (voto) são uma coisa só; tudo um.

Por todos esses caminhos percorridos pela história do homem, a dominação, a subjugação pela escravidão, a apreensão de posses e riquezas sempre foram os móveis do homem, enfim, seu interesse. Impõe dizer, que repelir o direito como força é ser visionário.

E a força se manifesta pelo poder físico e financeiro. Foi, é, e sempre será assim, embora sonhadores - onde me incluo como expectante - lancem os olhos para horizontes outros apartados desses anátemas.

Gire-se a roda da história e busque-se algo diverso; poucas exceções surgirão.

A mediação desse interesse tentou e tenta o Estado (criação do homem) harmonizar, contrariamente ao interesse originário humano, que tem como núcleo o sempre manifesto egoísmo, de homem a homem, de nação a nação.

Chegou-se às democracias de vários tons. Mas o interesse sobranceiro resulta imbatível! Democracia é representação de parte do povo, E NÃO DO POVO, PARA O POVO E PELO POVO, mera ficção, parte do povo, sua porção maior, pelo voto, GOVERNA.

Avulta assim um exclusivo e ponderável umbral a ser transposto, lastreado no permanente interesse; a legitimidade das representações.

O que seria legítimo ou não no sistema representativo?

O interesse necessariamente deve ser filho da legitimidade.

É como se convencionasse um contrato entre partes e os contratos são acertados para serem cumpridos; é o que é equânime, moral e conforme o direito.

Não é mais legítimo no cenário das nações explorar-se a miséria ou quem dela está próximo, ou ainda impossibilitado de sair da mesma, para implantar regimes autoritários onde a liberdade de expressão, a independência do judiciário e outros direitos fundamentais, basilares das democracias, sejam suprimidos.

Há uma ponte caricata entre a possível legitimidade do voto que explora necessidades vitais e a supressão das liberdades; dura pouco tal iniciativa.

Por breve tempo a ponte liga o interesse vital (necessidade) à ilegitimidade do voto útil no seu mais depreciativo sentido. O que é mal sucumbe pela própria maldade.

Explorar necessidades é tornar ao avesso o sacrário da natureza que se nutre e clama pelo necessário.

“E o que é o medo da necessidade senão a própria necessidade?”, indaga Khalil Gibran em “O Profeta”.

Extrair do medo a representação política é violar os mais comezinhos princípios e vestígios de humanidade.

Tal posição que se deve execrar com todas as forças, explode em supostas novas políticas sul-americanas, rotuladas pretensiosamente e impropriamente de novo socialismo, pretendendo calar a livre expressão, já limitados outros direitos, perenizando-se o poder pela continuidade de mandatos visando a não alternância.

O socialismo defende a reforma radical da sociedade para nova organicidade. Critérios diversos orientam este sistema. Uns por meios pacíficos e legitimados nas liberdades individuais conquistadas, a social-democracia, com essa nominação; outros pela força, pelo autoritarismo, por supressão de liberdades democráticas e principalmente pela ausência de legitimidade na cooptação da miséria para realização de sufrágios.

O que é o voto senão interesse e necessidade? Interesse no seu “status”; interesse na preservação do que construiu por seus méritos e trabalhos; interesse na sua paz jurídica; interesse na preservação de seus direitos fundamentais; interesse de melhorar serviços públicos essenciais, saúde, educação, etc; interesse em saciar a fome mesmo através dos múltiplos assistencialismos, o que é legítimo; interesse em acesso ao crédito, desde que limitado e não prejudique a verba alimentar; enfim interesse pessoal geral nas inúmeras espécies existentes.

Mas essa necessidade para legitimar o voto, mesmo captado ou cooptado na necessidade material da miséria e da fome, não pode transmudar-se em supressão das conquistas das liberdades públicas. Nesse caso cessa a legitimidade pelo simples fato de que ninguém é dono dos destinos de uma nação, e muito menos do mais excelente bem inerente a todos, a liberdade em todos os níveis que não colide com direitos de terceiros.

O filósofo, jurista, sociólogo, dono da maior obra contemporânea do pensamento, o italiano Norberto Bobbio, morto proximamente quase centenário e ainda produzindo, em sua “A Era dos Direitos”, coletânea de onze ensaios, discorre, praticamente irmanado a Jhon Gray:

“O ideal é puramente moral e não pode residir no interesse individual”.

De sua vasta sabedoria se colhe: “A história humana é ambígua para quem se põe o problema de atribuir-lhe o “sentido”.Quem ousaria negar que o mal sempre prevaleceu sobre o bem, a dor sobre a alegria, a infelicidade sobre a felicidade, a morte sobre a vida? De minha parte não hesito em afirmar que as explicações ou justificações teológicas não me convencem, que as racionais são parciais, e que elas estão frequentemente em tal contradição recíproca que não se pode acolher uma sem excluir a outra. Mas não posso negar que uma face clara apareceu de tempos em tempos, ainda que com breve duração. Há zonas de luz que até o mais convicto dos pessimistas não pode ignorar”. Obra citada, fls.71,75.

O individualismo como expressão de liberdade é, como diz Norberto Bobbio, “a base filosófica da democracia: uma cabeça, um voto.”

Este conceito da concepção individualista se prende a que o Estado surgiu após o homem. Por esse motivo seu direito natural de não ver explorada sua necessidade em troca das liberdades que somente a si pertencem, se violado retira a legitimidade da representação.

Esperemos que o exotismo da regressão e do atraso fiquem distantes do Brasil. Esperemos que isso esteja começando a acabar. Sempre há esperança.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 10/05/2017
Código do texto: T5995272
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