Cicatrizes imortais

     1. Quando alguém me pergunta qual é, da velha guarda, o meu compositor predileto, respondo sem titubear: Orestes Barbosa.  Sim, o compositor de Chão de Estrelas onde, segundo o poeta Manuel Bandeira, a gente encontra o verso mais bonito de nossa língua: "Tu pisavas nos astros distraída".
     2. Orestes, compositor e poeta, excelente nas duas coisas, musicou ou deixou musicar seus geniais poemas.  Poemas que mereceram do cáustico crítico Agripino Grieco este elogio: "Há nos seus poemas, um azul, uma doçura lunar insuperável. E quando não posso olhar a lua no Céu, vou procurá-la seguro de que não a acharei menos bela, nas estrofes do Orestes".
     3. Recorde-se, dele, estes versos, que recolhi na canção Meu  Companheirointerpretada magistralmente por Silvio Caldas: "Meu companheiro dileto/ Violão, és meu afeto,/ És minha consolação,/ De tanto roçar meu peito/ Tens hoje o timbre perfeito/ Da voz do meu coração".
     4. Orestes Dias Barbosa nasceu no Rio de Janeiro no dia 7 de maio de 1893. Era filho de dona Maria Angélica Bragança Dias Barbosa e do major Caetano Lourenço da Silveira Barbosa.
     5. Oriundo de uma família modesta, como menino de rua, perambulou pelas esquinas cariocas. Aprendeu a ler e escrever "nos cabeçalhos e manchetes de jornais".
     6. Na década de 1920, militando nos grandes jornais de sua cidade, Orestes já era reconhecido e aplaudido como o mais importante cronista do Rio de Janeiro, com dois livros publicados, Na Prisão e Ban-ban-ban.  
     7. Sua biografia é rica e bela. Para tê-la completa, basta o leitor percorrer as páginas do formidável livro do repórter, cronista e poeta Carlos Didier, publicação da Agir, intitulado Orestes Barbosa.
     8. Com esta pífia crônica disponho-me a homenagear o meu compositor predileto, lembrando o dia do seu nascimento, há 124 anos. Podia fazê-lo com comentários em torno de suas belas canções, todas imortais. Escribas mais autorizados o fazem todos os dias.
     9. Escolhi homenagear o compositor de Chão de Estrelas  falando daquela que teria sido a sua "musa inspiradora".
     Ela, e somente ela, o teria levado a compor músicas que enriqueceram para sempre a MPB, interpretadas por Francisco Alves, o Chico Viola e o Silvio Caldas, o Caboclinho querido. Entre tantas, posso citar: A mulher que ficou na taça e Suburbana.
     10. Para alguém, em Suburbana, ele versejou: "Olha as estrelas cansadas/ Que são lágrimas doiradas/ No lenço azul lá do céu/ Estrelas são reticências/ Estrelas são confidências/ Do meu romance e do teu".
     11. Falar sobre a "musa inspiradora" do compositor de Arranha Céu? Quem foi ela? Pasmem, senhores! Orestes nunca revelou o seu nome. Seus amigos diziam que o poeta era um cara calado. "Falava de tudo e de todos, mas nunca de si", afirmam os companheiros mais chegados.
     12. Francisco Alves, "seu parceiro em páginas definitivas da canção brasileira", admitiu que Orestes teve um "amor impossível".  Mas que sobre esse amor ele nunca falou, nem aos amigos de patuscadas, no Rio de Janeiro, feliz e sorridente, em que viveu a vida toda.
     13. Como eu soube disso? Lendo um artigo do Jornalista (sim, com o J maiúsculo) David Nasser, publicado na revista A Cigarra, em novembro de 1958, com este título: A mulher na canção de Orestes.
     14. David Nasser, arrolando como testemunhas amigos do Orestes, escreveu que o "amor impossível" existiu na vida do autor de Serenata. E que desse amor "lhe ficou, na alma de poeta, a mágoa, e na poesia, a marca". E que "as cicatrizes imortais desse amor, são as suas canções".
     15. Orestes morreu no dia 15 de agosto de 1966. - "Deitei então sobre o peito/ Vieste em sonho ao meu leito/ E eu acordei que aflição/ Pensando que te abraçava/ Alucinado apertava/ eu mesmo meu coração". Estes versos seus, tirei-os da canção Arranha Céu.
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 06/05/2017
Reeditado em 08/05/2017
Código do texto: T5991467
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