CONCERTO DE OUTONO

CONCERTO DE OUTONO

Saí à rua. Finalmente parara de chover. Fazia um pouco de frio e ventava, mas mesmo assim havia prenúncios de tempo bom para aquele fim de tarde. Na rua, assustadas com os primeiros frios, as pessoas desfilavam uma coleção de roupas do inverno passado, meio amassadas, cheirando a naftalina, e fugiam com medo do vento que assobiava e brincava com os papéis do chão. Embora úmidas pela chuva recente, as calçadas possibilitavam o passeio a pé.

Ali na volta da praça, o vento, artisticamente, fazia redemoinhos fantásticos, levantando folhas que estavam no chão, umas verdes e outras amarelecidas, deixando-as em suspensão, quais ilógicos móbiles, revolvendo a poeira e assanhando cabelos e levantando algumas saias descuidadas... A variedade das cores das roupas, com o rosado do fim de tarde que o sol pintava nas paredes, e o amarelo das folhas caídas, davam contornos magníficos àquele debuxo multicor que a natureza brindava. Muitas pessoas corriam do vento, atraídas por compromissos outros, e não viam essa cena.

Eu não estava correndo, afinal, não tinha pressa. Sabia que aquele momento era irrepetível; era preciso desfrutar daquele concerto da natureza. Gozado como, movido por uma recôndita sensibilidade, nessas horas a gente fica meio poeta. Como seria bom saber fazer versos, escrever coisas bonitas, emparelhar rimas e armar métricas, para expressar toda aquela emoção que fazia vibrar meu ser, elevar minha adrenalina e disparar o coração, comprimido pela festa da natureza que ali ocorria. Uma senhora passou e me perguntou: “Não tá com frio, moço?” O prosaico de sua observação, quase maternal, afastou-me de minhas divagações; o encanto quebrou-se, e eu, adulta e racionalmente, voltei à realidade, preocupando-me com os problemas banais do cotidiano, o adiantado da hora, o frio, o buscar o pão, o jantar. Absorto eu estivera, que nem vi o tempo passar, nem o que sucedeu nesse ínterim.

Quando dei conta de mim, o sol espremido entre os edifícios bordava o céu de carmim, como a estender uma colcha escarlate. O vento, embora frio, já não era forte, e as folhas já tinham ido embora, quem sabe para outras praças, outros outonos... Mas não todas! Uma ficara na minha mão, talvez para testificar-me a veracidade daquele momento vivido, afirmando que fora real o concerto de outono que eu presenciara. Cuidadoso, guardei a folha com a reverência de um peregrino que recolhe uma relíquia sagrada, para futuros cultos memoriais. Tudo são coisas simples e ao mesmo tempo de incrível complexidade, flagrantes de nossa vida, emoções disponíveis a olhares perscrutadores e a espíritos inquietos.

Artigo premiado - publicado em maio 1998.