Sem fita verde no cabelo: Uma história, uma perda, uma crônica...*
(Adaptação a partir da obra Fita-Verde no Cabelo, de Guimarães Rosa)
Havia, então, uma família como outra qualquer com loucos que louqueavam e chatos que chateavam... Todos com, talvez, algum tipo de juízo. Alguns sem deixá-lo à mostra, mas tinham.
Arrumam-se a mala, chinelo, pijama. Passagem impressa (comprada pela internet). Mais uma vez a viagem Porto Alegre X São Paulo se repetia, mas desta vez com outro intuito.
Lembro-me dela brincando comigo no chão da sala, arrumando os livros na estante, reclamando que a televisão estava com o volume alto. E enchendo o peito, com orgulho, chamando-me de neto na frente das amigas. Uma guerreira!
Entre o ônibus e o avião, escolhi o caminho mais curto. Talvez assim não encontrasse o lobo, eu o despistei, temporariamente. Ao invés de bosques atravessei cidades e estados. Para poder dar um abraço naquela gura que me viu crescer tão de perto. Cheguei!
Abri a porta, não havia ferrolho. Avistei-a, estava deitada em sua cama, magra, pálida, fraca. A doença estava levando-a aos poucos, fazendo-a sofrer cada etapa de sua passagem. Ela sorriu:
– Filho! – disse ela com uma lágrima escorrendo pelos olhos.
– Oi Vó. Que saudade! – respondi depois de quase dois anos sem nos vermos, por causa da distância.
– Olha só, lho, meus braços... quase não tenho força de te abraçar. – Eu percebi, mas conversava sempre de maneira positiva.
– As pernas da vovó estão todas manchadas. Por isso eu não ando mais sozinha, pra não ter perigo de cair.
– Isso mesmo, está certo. Tem bastante gente pra te acompanhar. – falei olhando para minha tia, com quem ela morava atualmente.
Percebi que seus olhos estavam fundos e parados. Numa face quase encovada. O lobo, antes despistado, aproximava-se.
Às vezes quando conversávamos com ela, ela parava. Olhava para o nada e depois voltava. O médico dizia que era um tipo de demência desencadeada por causa da doença. Eu a velava.
Voltei pra casa.
Cinco meses depois, chegou a notícia, numa noite de domingo, que o lobo havia chegado à casa da minha avó.
Disseram-me que ela não gemeu. Demasiado ausente cou nosso ar na hora da ligação. Na despedida, vestiram-na com um xale vermelho.
Dizem que o lobo vem pra todo mundo!
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*texto publicado primeiramente no e-book do curso de Letras do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado - RS. E-book: Linguagens: múltiplos olhares, múltiplos sentidos: volume 2. Pág. 94. 2015. Link:
http://www.univates.br/editora-univates/media/publicacoes/147/pdf_147.pdf