A garota - II

A vida fez com ela coisas estranhas. Não poderia rir, brincar, ser infantil – tudo isso era sinal de bobice.

E quando surgia alguma dúvida, ínfima dúvida, ouvia da mãe “para um bom entendedor meia palavra basta”. Várias vezes ouviu isso e ela nem sabia bem o que isso significava.

Então resolveu não perguntar mais e entendeu que deveria ser adivinha. E teria que adivinhar tudo com certeza e exatidão. Nem pensar em adivinhar errado algumas coisas da vida.

Uma criança que não pode rir, que não aprende a brincar, a jogar, a achar graça das coisas triviais só poderia crescer no recalque, na eterna dúvida cruel da existência.

A vida ia e vinha morna, de outono. A primavera, não, não poderia chegar. Outono sombrio de um tempo que teimava em não passar ligeiro. Arrastavam-se as horas.

Kika Moraes
Enviado por Kika Moraes em 20/04/2017
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