Uma visão do andar de cima

Acordar apreensivo tornara-se uma rotina na vida de Giovanni Donato. Ele já não sabia mais como controlar sua ansiedade.

A impressão era que nem dormira nos últimos dias. Seu constante estado de alerta ultrapassava o aceitável e a saúde se ressentia cada vez mais.

Atualmente, uma prova de Matemática, que faria no fim de abril, transformou-se na grande vilã. Do resultado dela dependia seu ingresso no Departamento de Astronomia do Governo Italiano, em Roma.

Donato era competente e jamais negligenciava seus estudos. O problema estava na ansiedade doentia que o acompanhava desde a infância. Terapias que fez por vários anos não alcançaram o resultado desejado.

Faltavam dois dias para o teste. O rapaz estava por demais apreensivo. Pediu conselhos a um amigo dos tempos de ginásio e a expectativa da resposta dele o deixava mais aflito ainda. Mas não demorou muito. Logo um recado chegava pelo celular. Pietro Albertini, que conhecia bem o seu drama pessoal, lhe escreveu:

– Giovanni, já lhe falei isso outras vezes. Você é muito bom em Astronomia e a Matemática nunca foi um problema. Pode não ser um expert, mas seus conhecimentos estão além da média.

E a mensagem continuava:

– Você, meu amigo, não ignora que cada astro no Universo tem seu ritmo próprio. Nenhum deles altera sua rotação só porque alguém resolveu apressar-se ou atrasar-se. Tudo tem o seu tempo. Se assim ocorre no macrocosmo, por que seria diferente no microcosmo?
Pietro Albertini queria de fato ajudar seu amigo. E sugeriu:

– Giovanni, respire. Não se deixe afogar em preocupações desnecessárias. O emprego já é praticamente seu. E se porventura você não conseguir dessa vez, tente de novo.

Albertini prosseguia. Sua intimidade com as teclas do celular era impressionante.

– Queria lhe falar pessoalmente, mas precisei hoje vir a Óstia. Depois que o Notizie da Italia me contratou, vez por outra tenho que cobrir acontecimentos fora de Roma. Mas durante a minha viagem para cá, li um artigo em uma revista que me chamou a atenção. E não pude deixar de me lembrar de você. Segue foto de um trecho do texto. Ele é assinado por Paiva Netto, um conceituado jornalista brasileiro. Veja que interessante:

– “Muitas vezes Você está desesperado (ou desesperada) e exclama: ‘Tudo acabou! Nada mais existe!’. No entanto, o Sol continua brilhando lá fora; o ar, circulando à sua volta; a vida, vivendo... A Humanidade persiste, repleta de esperança. Pessoas se amando, existindo, realizando... Todavia, Você vê e sente tudo com amargura, porque se tornou particularmente amargo (ou amarga). Há dois mil anos, porém, Jesus advertia: — ‘Se os teus olhos são trevas, que grandes trevas serão!’ (Evangelho, segundo Mateus, 6:23). Isto é, quão sombria será a sua sorte! Entretanto, milênios de Cristianismo humano transcorreram. E, quando o Mestre se aproxima para, apesar de todas as aparências em contrário, iluminar, por meios que apenas Ele conhece, o Planeta, com o Seu Cristianismo total, sublimando realmente a trajetória terrena, Você pensa em desistir?!... Querer ‘morrer na praia’, depois de atravessar oceanos de lutas e dificuldades, que pareciam desejar afogá-lo (ou afogá-la) no desespero?! Nos momentos de desânimo, lembre-se destes dizeres do saudoso Papa João XXIII (1881-1963), que, com o seu conhecido alto-astral, afirmava: ‘Sou sempre otimista, ainda quando exprimem perto de mim profunda inquietação pelo destino da Humanidade’. O Sol nasce para todos. Não tem culpa de que o egoísmo ainda vigore na Terra. ‘Quousque tandem, Catilina?’”

Após ler o texto, Giovanni conversou um pouco mais com o amigo e depois se despediram.

Os argumentos que acabara de ler não estavam errados. Donato pensou consigo:

– Realmente podemos ser mais felizes se investirmos em nossa própria capacidade sob a proteção de Deus. Nem precisamos nos encontrar em alturas além da atmosfera terrestre para perceber o quanto são ínfimos os problemas humanos. Do alto de uma montanha ou de um prédio, se olharmos para baixo, os obstáculos desaparecem ou se tornam muito pequenos. O grande desafio diário, no calor dos acontecimentos, é conseguir raciocinar com a serenidade, que o andar de cima nos abre à percepção.

O jovem sentiu-se mais confortado. À noite, até descansou melhor.
No dia da prova, ao comparecer no local marcado, não havia vencido ainda toda a ansiedade, mas era visível uma confiança nova em seu semblante.

Giovanni Donato respeitava muito a figura de Jesus, devotando-Lhe uma admiração toda especial. Um dos motivos que o levaram a optar pela Astronomia na faculdade foi o relato nos Evangelhos sobre a estrela de Belém. Do Céu, ela indicou aos três reis magos o local de nascimento do Filho de Deus.

O comentário do jornalista Paiva Netto, que Pietro lhe passara, sugeriu novos pensamentos à sua Alma. Não era hora de morrer na praia e muito menos de sucumbir aos obstáculos. Uma frase do texto não lhe saiu mais da cabeça: “O Sol nasce para todos”. E foi sob a inspiração dessa realidade astronômica que realizou sua prova e um mês depois estava admitido no emprego de seus sonhos.