Povo como nunca mais vi


Fui a Monteiro, menos para ver a água extraterritorial ( o que vi sem grande emoção) do que para ver até onde teria entrado o estrago da Globo na imagem popular de Lula, um dos maiores, talvez o maior benfeitor do Nordeste desde que o poder central ouve falar de seca e fome na região.
Digo “ouve falar” por algum motivo.
Na seca de 1998, a costumeira emergência chegou tarde porque o presidente de todos os brasileiros, um cientista político e social, não foi informado a tempo. Dez milhões com sede e fome e o presidente de então não sabia, não fora prevenido, ainda que dispondo de todos os meios para estar bem informado, como bem estranhou Celso Furtado, explicando por que isso acontecia:
“Ora, isso ocorreu porque ele está cercado de gente interessada mais na indústria da seca do que na solução do problema da seca”.
Velho como as pedras que me encandeavam, neste domingo, ao longo da estrada, vem intrometer-se esse diálogo de Celso numa entrevista com Maria da Conceição Tavares, Manuel Correia de Andrade e Raimundo Rodrigues Pereira, em seu apartamento em Copacabana. A entrevista resultou num livro, “Seca e Poder”.
Indústria da seca, miséria moral a serviço da política que ainda imperava como mazela endêmica em 1998, no governo de um dos homens mais esclarecidos da nossa história. A emergência não chegara a tempo e o presidente era criticado por isso.
E agora, trinta anos depois, onde esteve a emergência nesta longa seca? – eu me perguntava. E a paisagem desolada, inflamada de sol, me respondia: Não esteve em lugar nenhum simplesmente por não ser mais necessária. Lula resolvera chegar com a emergência na conta bancária dos doze milhões de “famintos, miseráveis, esmolambados” que, desde 1950 alimenta o “populismo” que tanta raiva fez ao jornalista Paulo Duarte, paulistano quatrocentão, com a eleição de Getúlio, e aos seus seguidores mais raivosos de hoje na mídia geral e nas redes sociais.
Paulo Duarte haveria de dizer, se ainda sobrevivesse com a sua “Anhembi”, revista de elite: “O novo pai dos pobres não quis dividir com ninguém os votos da emergência”. E o resultado se viu no impedimento de Dilma, cassada com a participação igualmente raivosa das bancadas nordestinas.
Foi o que me passou pela cabeça ao ver a ausência quase total das velhas lideranças regionais no palanque de Monteiro. Mas vi povo como há anos não via. Fartei-me!
GONZAGA RODRIGUES
Enviado por GONZAGA RODRIGUES em 23/03/2017
Reeditado em 24/03/2017
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