MEU AMIGO FREDO

É uma história (real) curta para uma vida longa. Começarei pelo final. Fredo nasceu em Zagreb, Croácia, tinha 84 anos quando faleceu. Faz três anos. Viveu seus últimos 20 anos no litoral norte e desses, fui seu vizinho durante dez anos. Eu era apenas veranista e ia uma vez por mês na casa. No verão permanecia mais tempo. Fredo era conversador e simpático. Falava sobre todos os assuntos. Já aos oitenta, alguns dentes ingratos o abandonaram, mas seu sorriso continuava intacto. Sempre foi solteiro e conservava o hábito de galanteador. Veio para o Brasil no início da década de 50 e depois de muitas andanças instalou-se no litoral. Odiava os comunistas e verbalizava com eloquência tal sentimento, fruto de uma vivência muito próxima lá na Europa com estes malditos, segundo dizia ele. Falava pouco sobre esse período. Tinha segredos. E, também tinha sonhos. Um era mandar dinheiro para sua irmã, de idade aproximada à dele. Queria voltar para a terra natal. Certa vez fomos ao banco para nos informar como seria o procedimento do envio de dinheiro para outro país, havia um monte de taxas a pagar. Lembro-me do quanto irritado fiquei, pois os nossos políticos ladrões mandam o dinheiro roubado de todos nós para o exterior sem o menor atropelo. Estava vivendo uma vida de necessidades, pois era um acumulador compulsivo, inclusive do próprio dinheiro. Mesmo aos oitenta, ainda aparava grama dos terrenos vizinhos, cortava galhos e andava de bicicleta para ir à feira ou ao banco. No último ano de sua existência, sua saúde entrou declínio com muita rapidez. Era crítica a situação, pois o encontrei algumas vezes caído. Até que um dia estava com a casa aberta e encontrava-se caído na sala, sem forças e com pouca voz. A ambulância vinha buscá-lo e ele passava o dia na enfermaria. Junto com o Serviço Social da cidade procuramos uma solução. Consegui aqui na capital um lugar para ele ficar, era um asilo. Foi um processo longo até o seu aceite. Começou uma nova vida, e, em três dias faleceu de infarto. Eu, minha esposa e minhas filhas, demos um enterro digno para ele. Um dia antes de ele morrer, o serviço social solicitou alguns dos seus móveis para doação às famílias carentes da cidade. Logo após saberem do seu fenecimento, seus “amigos e conhecidos” foram a sua residência para promover o espetáculo mais triste que vi na minha vida: O saque. Havia uma quantidade enorme de objetos e coisas acumuladas durante os vinte anos. O espetáculo dantesco durou três dias, até que eu isolei a casa, que era alugada, e a entreguei para o proprietário. Fredo não conseguiu realizar seu sonho em vida. E tudo que ele acumulou perdeu o sentido e criou um fato que todos nós conhecemos, guardadas as devidas proporções, a disputa pelas coisas materiais que ficaram sem dono. Havia muito dinheiro na sua conta bancária e seus irmãos, um morando no Canadá e a outra na Croácia, providenciariam a retirada através dos meios legais.

Aprendi duas coisas com o meu amigo Fredo: A primeira, que nunca devemos acumular bens materiais e valores, achando que somos ungidos com a eternidade. Devemos gastar com a gente para melhorar a nossa qualidade de vida. Constatei que o meu amigo Fredo estava com câncer e o negligenciou. (encontrei uma papelada médica que falava sobre neoplasia maligna.). Não precisaria guardar tanto dinheiro. Era muito.

A segunda coisa que aprendi foi com relação ao ser humano que ficou saqueando sua residência. Eram seus supostos amigos e acredito que Fredo não tenha feito amigos de verdade e, se eu não chegasse a tempo ele seria enterrado como indigente.

DUAS COISAS SÃO ESSENCIAIS NA JORNADA DO SER HUMANO: NÃO ACUMULAR ACHANDO QUE SOMOS ETERNOS, E FAZER UM INVESTIMENTO AFETIVO PARA QUE NA HORA CRÍTICA ALGUÉM NOS ALCANCE UM COPO D’ÁGUA. Isto serve para todos nós!

Sérgio Clos