Jesus disse aos seus discípulos no evangelho de Mateus: Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca. (Mateus 26:41)

Não. Não falemos da pregação de Jesus.  A citação é tão somente para dizer o quanto considero de mau gosto o nome, “Carne Fraca”, dado pela Polícia Federal à operação que desmontou o esquema de corrupção que liberava a comercialização de alimentos produzidos por frigoríficos sem a devida fiscalização sanitária.

Citando meu filósofo de cabeceira: “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Mesmo que a intenção da PF fosse mostrar que os fiscais sanitários se deixaram corromper pela tentação do dinheiro fácil, visto a carne ser fraca, ainda assim considero infeliz e de mau gosto essa analogia.  

Falemos do papelão. Não do papelão que, segundo umas das gravações apresentadas pela PF, poderia estar presente em produtos da BRF, empresa dona das marcas Sadia e Perdigão.  

Falemos do papelão da imoralidade. Papelão da corrupção. Papelão da sabotagem. Papelão da falta de caráter. Papelão da falta de ética. Papelão do ser, dito humano.

Custa-me aceitar e entender a inversão de valores, onde TER é mais imperioso que SER, onde o certo e o errado se confundem, e onde ser esperto e inteligente é sinônimo de corrupto.
O terreno da corrupção se apresenta vasto e convidativo para muitos, mas são os valores que a pessoa possui que determinarão suas escolhas e sua postura frente ao que se lhe apresenta.

Em 2001, deixei a área da educação. Havia passado em primeiro lugar em um concurso da prefeitura municipal. Trabalhei como Inspetora de Qualidade de Alimentos em um frigorífico de minha cidade, de 2001 a 2008. Era a única mulher na empresa de 52 funcionários. Levantava às 4 horas da manhã todos os dias para estar ali às 5:30 na primeira tarefa antes do abate: Verificar se os funcionários estavam com o uniforme limpo, barba feita, cabelos e unhas cortadas.

Feito isso ia para o curral (muitas vezes sob chuva ou frio intenso) para inspecionar o gado que seria abatido, a chamada inspeção ante mortem. Muitas vezes comprei briga com o dono do gado ao impedir que fossem abatidas fêmeas prenhas, animais caquéticos ou aparentemente doentes.  
De minhas mãos e com a minha assinatura saía a carne que ia para os açougues todas as manhãs. De minhas mãos, depois da inspeção pós mortem, foram condenadas (descartadas) carcaças com tuberculose, brucelose, cisticercose bovina e suína, pneumonia e outras enfermidades.
Nenhum proprietário de gado, fazendeiro ou não, aceitava de bom grado a condenação de um animal. Isso implicava perdas capitalistas e essa era sua principal preocupação, senão única. Nunca vi nenhum produtor preocupado com a saúde da população ou com o que ela estivesse consumindo. Como os animais abatidos (suínos e bovinos) não eram animais confinados, a frequência de carcaças condenadas sempre foi grande.

Saber que eu era responsável pela qualidade da carne que grande parte da população de minha cidade consumia me enchia de orgulho e de responsabilidade. Fazia com alegria e dedicação meu trabalho. Deixei o frigorífico em julho de 2008 quando fui aprovada em outro concurso.  

Não raro, vi colegas recebendo, de um ou outro produtor, “uma banda de porco”, ou um “pedaço de cupim”. Outras vezes recebiam balinhas, chocolates e tapinha nas costas. Quando não, chifres, que cada um fazia com eles o que bem entendia.

Sim. A carne é fraca. A natureza humana é falha e debilitada, mas há uma coisa que se chama caráter, metaforicamente conhecido como, “marca, impressão ou símbolo na alma”. Nem todos têm esse símbolo impresso na alma.
Que papelão!

 
Suzana França
Enviado por Suzana França em 22/03/2017
Código do texto: T5948948
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.