AS AGRURAS DO TEMPO

Antigamente, as estações do ano eram bem definidas. Caetité tinha um clima agradável. No verão os dias eram bem quentes, mas as noites eram amenas. Era possível dormir sem ventilador, climatizador ou ar condicionado. O calor não nos perturbava muito, pois não eram tantas as muriçocas e tínhamos mananciais abundantes. Na escola, as professoras nos ensinavam que a água era um recurso natural inesgotável! Um líquido insípido, inodoro e incolor. Quem poderia imaginar que alguns de nossos preciosos mananciais transformar-se-iam em esgotos fétidos?!

Naquela época ninguém se preocupava com questões ambientais. Não se falava em economizar água nem preservar a fauna e a flora. Não havia IBAMA e ninguém conhecia o Greenpeace. A molecada, no calor das férias, quando não estava com bola nos pés, montava arapucas e carregava capangas e estilingues.

Quando a primavera dava o ar de sua graça, a brisa fresca das manhãs de setembro trazia quietude e inspiração. Nossos campos tinham mais vida, e nossas vidas mais amores. Depois das primeiras chuvas de outubro, brotavam aos milhares, e sem que ninguém as plantasse, exemplares de uma linda plantinha que deixava o chão salpicado de florzinhas brancas e rosadas. Uma maravilha! Sobre os barrancos e em terrenos baldios, apareciam como num passe de mágica, uma grande quantidade de mutucas, uns insetos parecidos com abelhas, porém maiores. O chão ficava cheio de buraquinhos onde provavelmente depositavam seus ovos. Estas pequenas criaturas, durante alguns dias, tornavam-se a diversão sinistra de toda a meninada. Para a caçada utilizávamos um pedacinho de plástico e uma vareta. Ficávamos ajoelhados, de bumbum empinado, diante das tocas, cutucando... cutucando. Obrigando os pobres animais a saírem. Então os aprisionávamos com o plástico transparente e cuidadosamente arrancávamos seus poderosos ferrões. Assim os pobres, desarmados e impotentes, presos em caixinhas de fósforos, amarrados em cordões ou espetados em paus, tornavam-se “brinquedos”, sórdidos brinquedos; até a morte chegar. Outra diversão maravilhosa era recolher em sacos plásticos as tanajuras que caíam com a mesma intensidade das chuvas de novembro. Cai, cai, tanajura, na panela de gordura. Quem nunca cantou isso! E as tanajuras iam mesmo para as panelas de gordura. Juro que nunca comi a afamada farofa, mas havia quem gostasse da exótica iguaria.

Se não havia flores para as meninas colherem, nem mutucas para a turma toda aprisionar, cortávamos talos de mamoneira e com eles fazíamos lindas e cintilantes bolinhas de sabão. Às vezes, às escondidas, cortávamos ramos secos de chuchuzeiro e os acendíamos transformando-os em cigarros.

O outono também tinha seus encantos. As folhas mudavam de coloração; tons acobreados se espalhavam nas inúmeras amendoeiras que encontrávamos pelas ruas. Depois, vinham os ventos intrépidos e varriam a folhagem seca. Pouco a pouco a vida se renovava. As frutas mais saborosas pendiam dos galhos e proporcionavam aquelas fartas temporadas. Os quintais, as matas e o campo coloriam-se de delícias.

Nosso inverno era rigoroso. Cobertores de lã e grossos casacos não eram suficientes. Nas primeiras horas do dia o nevoeiro cobria os morros. Os fins de tarde acentuavam a melancolia e as noites ficavam longas! O frio castigava a pele e era comum ficar com aquela vermelhidão na ponta do nariz. Em julho, a neblina caia gélida e persistente e a paisagem cinzenta era a principal característica das noites de festa em honra a nossa padroeira.

Assim era nossa vidinha despreocupada, simples, porém adorável. Quem de nós poderia imaginar que aquele mundo pequeno iria mudar tanto! O progresso tem seu preço. A cidade cresce e a paisagem natural vai se modificando; sofrendo inúmeras e incalculáveis agressões. Muita coisa mudou para melhor, é certo. Devo admitir que certas estruturas e ações facilitaram muito nossas vidas, contudo, sou daquelas que acreditam que a felicidade procede justamente das coisas mais simples.