MARCAS DESCONHECIDAS

(Crônica)


 
 
     Marcas na areia. Grandes, médias, pequenas, infantis. Marcas de pés. Desconhecidos. Que caminham para onde? Qual seu destino? Quem são? Um homem, uma mulher, uma criança. Pode ser uma família. Ou simplesmente um homem, sozinho. Simplesmente uma mulher, sozinha. Com que objetivam caminham sobre a areia quente, macia, amarela? Para exercitar? Distrair? Apreciar o mar? A natureza? Por que estão em férias? Caminham sem destinos ou para encontrar seus destinos? E que destino é esse?
     Permanecer ali, porque ali moram. Porque ali seu destino se fez moradia. Porque ali encontram amigos, pescam, praticam surf nas suas horas de lazer. Porque ali trabalham e fincam suas raízes. Neste local, buscam e encontram seus amores. Formam suas famílias. Constroem seus lares, do jeito que podem, que querem, que escolhem. Ali, praticam a arte de viver com simplicidade, com refinamento, com muitos recursos, com parcos recursos. Vivem com suas alegrias e dissabores, com felicidade e infelicidade, com esperança e desesperança.
     Voltar para suas casas, apartamentos? Para o aconchego do lar distante. Decorado, enfeitado, iluminado. Com sofás confortáveis, poltronas jeitosas. Mesas, cadeiras, luminárias, abat-jours. Enfeites de cristal, de prata, de bronze, de madeira. Da preferência de quem as habita. E que esteve longe por vários dias, por poucos dias. Para aproveitar suas férias, sua folga. E que fez falta, deu saudade do espaço que é seu, do seu jeito, da sua escolha. Rico, pobre, médio. Como for, porque o que for é como quer que seja.    
     Encontrar os espaços íntimos, com camas espaçosas. Lençóis, coloridos, floridos, listrados, estampados. Colchas de patchwork, almofadas de tamanhos variados, de cores vibrantes, combinantes, para completar espaços, enfeitar pedaços. Água quente, fria, em jatos borbulhantes, nos banheiros azulejados. Toalhas macias para enxugar corpos, rostos e mãos. Sabonetes perfumados. Cremes para corpos, rostos e mãos. Banhos de água quente, fria, com espuma. Rápidos para não atrasar compromissos. Sem pressa, com companhia, para ensaboar corpos molhados desejados, ansiados.     
     Experimentar quitutes saborosos, preparados com capricho, em local moderno, clean, com cheiro de comida caseira, carinhosamente feita para si, para família, para amigos, para quem é dono do seu coração. Na bancada de granito escuro que contrasta com paredes e pisos brancos, reúnem-se entre risadas e garfadas, acolhendo o retorno de quem ali habita.
     Chegar nas moradias com escada, sem escada. Com elevador, sem elevador. Com entrada ampla, estreita. Com garagem para carro pequeno, médio, grande. Um, dois ou mais. Portões automáticos, câmeras de televisão para segurança. Vigias, porteiros, garagistas para assegurar conforto e seguranças aos moradores, visitantes, conhecidos, desconhecidos. Para manter a distância da violência externa, que os torna frágeis, inseguros, reféns.
É o lar daqueles desconhecidos que nos seus momentos de lazer deixaram suas marcas na areia de uma praia tranquila, que convidava a caminhar.
     Retornar às suas atividades de trabalho. No escritório, na escola, no consultório, no hospital, em casa, nas lojas, nos mercados, nas indústrias, nas empresas. Onde mais?  Onde quer que seja. Iniciam cedo, pela manhã. Continuam à tarde. Dão ordens, obedecem. Conforme seu nível de trabalho. Envolvem-se com os problemas das pessoas, conforme a profissão. Envolvem-se com documentos, papeis em quantidade ou lidam com os computadores. Envolvem-se com o que seja necessário, de acordo com sua profissão.  
     Retomar as suas aulas. Escolares. Em nível básico. Médio. Avançado. De idiomas, de dança, de pintura. Os pequenos estudam e leem os contos infantis que povoam as cabecinhas com lendas, heróis e princesas. Os adolescentes, em iphones, tablets, notebooks, com os recursos que eles gostam. Os adultos leem porque o nível universitário assim o exige. E quanto mais o estudo avança, mais a leitura é praticada, mesmo que seja nos aparelhos eletrônicos. Fazem suas leituras por gosto, por distração, atualização, informação. Como for, que leiam.
     Encontrar amigos. Para as brincadeiras, ainda. Talvez as antigas, pulando corda, amarelinha ou os jogos bola. Mas, também, obviamente, conversar, trocar confidências, relatar peripécias, aventuras, férias, amores, encontros, desencontros. Conversa adulta, sobre a natureza conhecida, explorada. A praia visitada. A montanha escalada, a serra viajada. Sobre compras para deleite das mulheres e aborrecimento dos homens. Voltar a conviver com amigos. Às vezes diariamente, às vezes semanalmente ou bem menos. Todavia, conviver.
     Agrupar a família em torno de almoços, aniversários, eventos. Nem todos apreciam, entretanto participam. Presentear, agradar e desagradar, comparecer, desaparecer. A rotina familiar que enlouquece, que entristece, que alegra, que faz rir, que afasta, que aproxima, odeia às vezes, ama sempre.
     Marcar a sua vida. A vida dos outros. Deixar sua marca por onde passa, convive, trabalha, estuda. A marca da alegria, do entusiasmo, da competência, do empenho, da responsabilidade, da solidariedade, do carinho, do amor. Ou a marca da tristeza, da inveja, da incompetência, do egoísmo, da falsidade, da maldade, da superficialidade.
     Que destino é esse? Buscar sentido no que faz, no que ama. Perceber nas pessoas o complemento que lhe falta. Observar nas atividades o sentido da completude vivencial. Apreciar na natureza a beleza disponível. Desfrutar os pequenos detalhes que são valiosos para valorizar e enfeitar a vida.
Marcas que são impressas nas pessoas, indeléveis. Que nem percebemos que marcamos e fomos marcados. Percebemos em face das circunstâncias da vida. E os resultados dessas marcas desconhecidamente reconhecidas são demonstradas nas ações, nas atitudes.
     Destino alcançado? Sempre se expande para que experimentemos mais, vivamos mais. Busquemos mais. Alcançar o destino torna-se um contínuo caminhar. Com marcas ou sem marcas.
 
               
 
Tereza Freire
Enviado por Tereza Freire em 24/02/2017
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