Tempo tempo tempo

As veias que expostas quando você apoiava a cabeça nas mãos, logo depois de bocejar, eram a única estrada que eu conhecia por inteiro, o pedaço de pele entre o fim de sua camisa e o começo de suas calças (que se revela quando você se abaixava pra pegar uma ou outra coisa) era minha refeição favorita do dia, a pinta no seu pescoço, minha única certeza, porque ela não se moveria a menos que você também o fizesse. Os teus pelos eu cataloguei: os claros, os ralos, os curtos, os que davam voltas, os que se deitavam e os que eu nunca veria. Teus sons, teus cheiros e tantas outras coisas... não era nem preciso adentrar profundamente as entranhas, as artérias, as carnes — havia um pedacinho meu para amar cada pedacinho seu.

"Isso nunca vai ter fim", pensei comigo inúmeras vezes. E tentei muitas coisas, ah! Deus, como tentei. Passei a me alimentar bem, pratiquei corrida, natação, estudei inglês, informática, música, conheci incontáveis pessoas todos os dias, li todos os livros da estante, mantinha o cabelo sempre curto, a casa sempre limpa e a cabeça sempre ocupada. Fosse no mais secreto esconderijo de mim mesmo, esse pensamento sempre me achava, me intimidava e eu corria de novo assustado para me esconder mais uma vez.

Por que escrevo hoje? Recebi uma mensagem de uma amiga exatamente assim: "Às vezes é difícil, parece que isso nunca vai ter fim". Juro juro juro, repetindo três vezes e com os dedos cruzados. Esse texto é para ela. E o meu consolo, ou melhor dizendo, esse clichêzinho que vou lhe empurrar, é o tempo. Pra você, amiga, juro juro juro que depois desse tempo, o máximo que você vai conseguir sentir será tesão, mesmo que as pintas dele ainda estejam lá, mesmo que ele ainda faça os mesmos sons e possua os mesmos cheiros.