[Uma janela para as estrelas]

O dia se foi e a noite impera: é tarde e a grande cidade dorme. Menos eu: estou acordado graças à minha insônia, que me impede de dormir quando eu deveria e me impele ao estado perpétuo de sono e cansaço, e com a Solidão em meus braços. Ela dorme sorrindo, pois não há nada de mais suave e gostoso do que estar entrelaçada com quem se ama. Só me restam os pensamentos: eles são difusos num primeiro momento, mas vão ganhando sentido com o tempo. Algo que eu não costumo fazer é me atentar ao que há do lado de fora da janela que está ao meu lado: com muito cuidado, decido abrir as cortinas, e fico muito feliz por não ter acordado a minha adorável namorada. Olho para lá e vejo uma grande escuridão, quebrada apenas pelo brilho fraco dos postes de iluminação pública. No meio do imenso negrume, posso distinguir uma pequena Lua e minúsculas estrelas que, apesar de todo o progresso, ainda resistem para, quem sabe, nos fazer lembrar de uma época em que ainda havia um céu. Um cenário ordinário para muitos, que talvez preferissem olhar para o chão e observar as poucas pessoas que têm a coragem ou a estupidez de atravessar essa rua nesse horário. Mas não eu: fico olhando para cima, ignorando todo o resto. Perco-me no vazio de novo, mas desta vez no vazio que contém tudo o que há e o que houve; tudo o que fomos, somos e seremos.

O que é a imensidão? Não sei responder: olho para aquilo esperando por alguma explicação, uma pequena pista que seja, mas nada consigo concluir. Escondemos a verdadeira grandeza da noite com a nossa luz: a escuridão aumenta como resultado, pois só consigo contar cinco míseras e corajosas estrelas. “São bravas consoantes à sua grandeza. E o que somos perto disto? Nada. Absolutamente nada. Somos menores do que um grão de areia na praia: talvez existam mais estrelas no Universo do que átomos em toda a Terra. E o que significa ser tão pequeno? Não somos especiais: nada foi feito para nós. Há tanta violência no Cosmos que simplesmente não deveríamos estar aqui e, considerando todas as formas nas quais a vida pode ser aniquilada, é quase que um verdadeiro milagre que estejamos aqui. Mas estamos sós? No meio da imensidão que tentamos esconder das nossas vistas para que não consigamos enxergar a nossa pequenez, somos únicos? Não creio. Mas, e se formos? Seria estranho e contra todas as probabilidades, mas, se fôssemos extintos e realmente fôssemos a única espécie de vida inteligente no Universo, isso faria alguma diferença? Ele deixaria de existir simplesmente porque não há mais gente capaz de compreendê-lo ou de se habilitar a fazer isto? Não... Se simplesmente sumíssemos, não faríamos a menor diferença. Então, por que ainda estamos aqui? Por que ainda estou aqui? Muitos de nós criam fantasias de vida após a morte e de preceitos morais para tentar lidar com a sua própria insignificância: quando morremos, tudo acaba, mas tudo acaba para nós; para os outros, a caminhada continua. O que me mantém vivo e o que deveria manter todos nós vivos? É esta certeza: não há nada além da morte e, portanto, precisamos extrair felicidade aqui e agora. Não podemos postergar para sempre o que nos dá prazer: devemos colher a alegria dos campos floridos nesta vida, porque não há outra para fazermos isto. Precisamos perdoar, amar e dizer o quanto perdoamos e amamos agora, já que não há outra oportunidade. Em suma, não podemos postergar a vida para quando ela não existir mais: isto é uma grande imbecilidade e eu realmente não entendo por que tantos a cometem. É certo que haverá dissabores? Sim. É certo que haverá problemas? Sim. Mas isto não pode destruir o campo de onde colheremos a felicidade: a safra é única e deve ser aproveitada.”, penso, com um sorriso enorme no rosto enquanto que alguma gota desliza pela janela. Está chovendo? Não: é só uma lágrima minha.

O que é a imensidão? Continuo sem conseguir responder a esta pergunta fundamental: talvez eu tenha que passar a noite inteira acordado para obter um fragmento de algo que, no futuro, quem sabe, possa ser chamado de resposta. “Dizem que o sofrimento está dentro de nós. Isto é verdade; aliás, é algo óbvio. O ser humano, na sua ignorância, é capaz de fazer os piores males ao seu companheiro e a si mesmo, porque é arrogante e egoísta: não vê nada além de seu próprio reflexo e dos seus problemas. É claro que precisamos nos importar conosco: caso contrário, passaríamos pelas piores frustrações e privações, destruindo, aos poucos, toda a nossa capacidade de ter esperança de ver as coisas boas que há no mundo. Contudo, se parássemos de pensar tanto em nós mesmos e passássemos a nos colocar no lugar das outras pessoas, o mundo talvez fosse um lugar melhor. Olhando para cima, vejo o quanto somos pequenos, bem como os nossos problemas e as nossas preocupações: o Universo é maior do que tudo isto. Se parássemos de sentir tanta pena de nós mesmos, de achar que somos o centro de todas as atenções, que tudo precisa estar como nós queremos, talvez o mundo se tornasse um lugar melhor. Se começássemos a pensar que nós, independentemente da nossa origem, ocupação, gênero, orientação sexual, somos todos pequenos e, portanto, todos iguais diante do Universo, talvez os preconceitos, o ódio, as guerras diminuíssem. Se soubéssemos que só temos esta vida para fazer o que há de bom, talvez a nossa mesquinhez desse lugar ao altruísmo; e os ressentimentos, às declarações de amor. Talvez... Talvez, enfim, se as pessoas olhassem mais para cima, e não para o chão, elas pudessem conhecer sua pequenez ao sentirem a imensidão dentro delas e, assim, tudo isto que eu falei pudesse acontecer, naturalmente. Ou talvez... tudo isto seja ilusão de quem só está maravilhado com a grandeza deste vazio que é tudo. Talvez...”, e, pensando nestes temas sublimes, deixo uma lágrima cair da minha face e se aconchegar na da minha amada: felizmente, ela só se mexe um pouco e não acorda. Passo a admirá-la e, pouco tempo depois, adormeço, levando comigo as minhas utopias.

Marcos Paulo Barbosa da Silva
Enviado por Marcos Paulo Barbosa da Silva em 19/02/2017
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