BANGALÔ

Muito tempo depois de formado em engenharia civil resolvi fazer outro curso de graduação e uma das disciplinas obrigatórias era Língua Portuguesa e Comunicação. Nossa professora era excelente. Talvez pela falta de outras iguais a ela não segui a área.

Mas, como ia dizendo, durante uma das aulas fizemos uma experiência interessantíssima sobre a deturpação dos fatos ocorrida na comunicação oral. O famoso “quem conta um conto aumenta um ponto”.

Seis alunos saiam da sala enquanto um dos presentes lia uma crônica ou um pequeno conto. Pedia-se que um outro aluno da sala, sem ler o texto, contasse, com os maiores detalhes que pudesse, a narrativa lida para que um, e apenas um dos que saíram da sala ouvisse. Este, por sua vez, chamava mais um dos ausentes e contava sua versão da forma mais fidedigna possível. Assim se fazia sucessivamente com os seis que tinham ficado fora, cada um ouvindo somente a última versão.

Era impressionante, para os que estavam na sala desde o começo, que o último comunicador já aparecesse com uma história de detalhes totalmente diferentes da narrativa original, embora se mantivesse a linha geral do tema. Descrevo o fato para que acreditem que toda verdade é relativa. Mesmo quando participamos do acontecido, quanto mais se for contado por alguém.

Assim sendo, perdoem se falto a verdade para alguns. Mas acreditem essa é a minha verdade! Ou pelo menos a que passaram pra mim.

Participei desse episódio, quando o Eduardo chegou na sede campestre, com uma letra que tinha imaginado na viagem de ônibus e pedia para alguém anotar, pela sua dificuldade motora de manusear papel e caneta.

Chamava-se “Bangalô” e como por encanto o Gervásio pegou o violão, fez uns acordes de sol maior e eu, lendo o manuscrito comecei a cantar como se a melodia já existisse há muito tempo. Na realidade estava sendo gerada e parida naquele momento. O Gervásio ainda fez uma pequena modificação quando a melodia passa para tom menor, mas, em menos de quinze minutos estava pronto o:

BANGALÔ

(Almir Morisson, Gervásio Cavalcante e Eduardo Queiróz)

Quando passo

No bangalô gradeado

De branco gelo pintado

Palpita meu coração

Dentro dele

Vivi um sonho dourado

Tendo você a meu lado

Na mais perfeita união

No momento

Que a lua nova saia

E a criançada dormia

A vida era você e eu

Se entregando

Fazendo amor na cozinha

No corredor, na piscina

Na sala em frente a T.V.

Os livros

Empoeirados na estante

Não foram lidos bastante

Pra lhe ensinar sobre o amor

E a flor

Nascida em nosso jardim

Ontem se despetalou

Talvez com pena de mim

Sem mais

Para dizer a respeito

Deixo esta frase de efeito

Para você meditar

No amor

Não deve haver preconceito

E mesmo torto é direito

Adquirido sonhar

Todos gostaram, mas começaram a gozar o Eduardo pelo fato do protagonista da letra “fazer amor na cozinha, no corredor, na piscina, na sala e em frente a TV”. Perguntavam ao Eduardo afinal onde estava a TV se no quarto ou na sala? Quem era o super homem pra aguentar tudo aquilo? Começaram a inventar uma série de apelidos para a música e por aí a fora.

Aos curiosos a música está em:

http://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/73486

Escutem...

Um dia, inadvertidamente, quando cantei a música em vez de dizer “e mesmo torto é direito...”, acabei dizendo “e mesmo ao torto é direito adquirido sonhar”. O Eduardo brincou dizendo que eu estava fazendo gozação com sua deficiência física e como sempre levou o caso na galhofa.

Tanto fizeram, que inventaram uma namorada para o Edu, muito bonita e por isso conseguia que o Camelo poeta fizesse todas aquelas proezas. Como a esposa do Edu já conhecia as brincadeiras do grupo, acho que nem ligou muito.

Esta pseudo-namorada ainda rendeu outras boas canções.

A verdade? Bem, a verdade ninguém sabe ao certo.

Há várias...