É CARNAVAL

Deus me ajuda que, em mais de 70 anos de vida, muito raramente tive dor de cabeça. Lembro apenas uma vez, na juventude, que tive um mês de febre e dor de cabeça. Depois de inúmeros exames os cientistas do Evandro Chagas descobriram que tinha sido uma arbovirose chamada oropouche, transmitida por um mosquito cor de leite.

Naquele tempo ainda nem se falava de zika, chikungunya ou chicungunha, ainda menos oroupuche, que até hoje ainda é um pouco nebulosa. A virose mais conhecida era a dengue.

Amazônico que sou, na época que compus a “É carnaval” estava com uma dessas viroses vindas da floresta, deitado numa rede, com mais de 40 graus de febre, cabisbaixo, sorumbático, como dizia meu amigo Dantas, despombalecido, como dizia o Agostinho, mas sem dor de cabeça, tanto que peguei o violão pra ver se espantava as mazelas.

Morava em uma casa cujo quarto onde estava ficava a mais de 50 metros da rua de modo que escutei uma batucada ao longe e perguntei a alguém que passava perto de onde eu estava. O que é isso? Responderam: é carnaval. De fato tinha esquecido que era fim de janeiro e os blocos de rua, na Belém daquela época, começavam a animar-se bem antes da terça gorda.

Os acordes de dó maior e o despombalecimento fizeram letra e melodia da primeira parte de uma marcha rancho nostálgica que combinava com meu estado de espírito.

Uma semana depois já bom da virose, escutei a primeira parte e pensei: Por que as pessoas estavam cantando na rua naquele dia, será mesmo que é por que era carnaval? Conclui que, na realidade as pessoas cantavam porque estavam vivas e queriam festejar isso, mesmo que inconscientemente.

Fiz então a segunda parte num crescente rítmico. Afinal não há melhor motivo pra sorrir e cantar do que a vida!

É CARNAVAL

(Almir Morisson)

É carnaval

E eu aqui tão sozinho,

Me disseram que é carnaval

E eu tão só, sem carinho.

Passistas na avenida

E os meu passos pela vida

Me levam sempre pra lugar nenhum

Tristeza faz cuíca soluçar

Mas eu devo sorrir

Porque é carnaval

Milhares vão dançando

São pierrôs são colombinas,

Entre sons e serpentinas

Nesses dias de ilusão

Palhaços sem crianças pra alegrar

Cantando pela vida

Pois a vida é um bom motivo pra cantar

Lá laia lalaiá ....

Pois a vida é o melhor motivo pra sorrir

E canto: Lá laia lalaiá ....

Depois que mostrei muitas pessoas gostaram da música, em especial uma amiga, prima do nosso violeiro mor, Gervásio e que frequentemente enriquecia os cantos do Clube do Camelo. A Nazaré Iran. Todas as vezes que encontrava com ela pedia que eu cantasse a música. Acho que a letra lembrava pra ela alguma coisa.

Realmente depois que soube, por mim, da história de como foi feita, confirmou que lembrava algo embora diferente do motivo pelo qual a música tinha sido feita. É uma das vantagens de nossas letras. Remeter o ouvinte a caminhos nunca imaginados. É uma agente de viagens mágicas, sem os custos e desvantagens das companhias de turismo. Nunca a Iran me disse qual era seu motivo nem eu perguntei. Afinal até que não sou tão curioso assim. Respeito a privacidade das pessoas.

Assistam no youtube a gravação em um dos shows que fiz. Num deles conto novamente a história ao vivo:

https://www.youtube.com/watch?v=4wjNdmhgixs

https://www.youtube.com/watch?v=V6OuioAZnrI

Depois de muitos percalços, já contados na crônica “Propaganda Enganosa”, consegui uma gravação primorosa, em estúdio, com arranjo do Tynnoko Costa e interpretação da Fernanda Barreto. Saiu no meu CD “Minhas Canções” financiado pela Lei municipal Tó Teixeira.

Ouçam:

http://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/73442