O PADRE E A LATINHA DE CERVEJA

Creio que seja bastante difícil alguém ainda se surpreender com os acontecimentos exóticos do dia a dia. São tantas as bizarrices - as cômicas e trágicas também - às quais nos submetemos diariamente que às vezes não nos damos conta dos absurdos que estão acontecendo em nossa volta. O ditado popular “toda regra tem sua exceção”, contraria, mesmo que raramente, essa nossa incapacidade de nos surpreender. De repente, algo de inusitado acontece e pode renascer dentro de nós a capacidade de nos pasmar. Eu só não presumia que isso viesse a suceder justamente comigo em um momento de meditação. Na cidade onde moro, no mês de janeiro, geralmente a partir da segunda quinzena, acontece a festa do padroeiro da cidade. São dez dias de pura agitação e alegria que contagiam o povo e atraí muitos turistas. A igreja do Bom Jesus, como as outras em todo o Brasil, é localizada no centro da cidade. Nessas noites de festas, a praça fica lotada, animada e a alegria toma conta das crianças que esperam ansiosamente pelo fim da missa para irem com os pais para o parque e comprar algodão doce. Era já a oitava noite, uma sexta-feira, eu estava acompanhando atentamente a homilia de um padre visitante quando ele, em sua pregação, disse que gostava de tomar cerveja e que isso era normal por ser ele um homem como outro qualquer, possuidor de desejos e sentimentos.

A multidão que assistia à pregação que o padre fazia ficou perplexa, dando logo asas a um burburinho que se espalhou por toda a praça. Enquanto isso, mergulhei em mim, fechei a porta e comecei a refleti aquilo que ouvira. De fato, fui surpreendido por algo tão banal, que ainda não sei se minha surpresa se deu pelo que o padre disse ou se fiquei surpreso por ter me surpreendido com tão irrisória questão. Afinal, qual o problema de um padre fazer o que deseja, se vivemos em um país que ainda gozamos de “total liberdade?”

O burburinho, assim como uma onda, cessou e a missa teve continuidade, ocorrendo tudo em perfeita ordem até o seu término. Comigo não aconteceu exatamente assim, fiquei preso em mim tentando me libertar da obrigação de ter que formular uma ideia acerca daquela novidade que ainda me persegui. Sei de poucas coisas da vida cristã, mas acredito a função primordial de um representante de uma igreja seja levar aos fiéis, às crianças e aos jovens, principalmente, os ensinamentos para um bom viver. Pelas experiências que temos -não há necessidade de mencioná-las aqui - a bebida alcoólica não é um bom caminho. Mas, há um homem com desejos e sentimentos que necessitam serem atendidos ou controlados, sejam quais forem os meios. Ao mesmo tempo em que pensava em tudo isso, continuava em meu cérebro um acirrado debate para chegar a uma conclusão sobre essa questão que me surpreendeu e está me tirando o sono.

Manoel R
Enviado por Manoel R em 28/01/2017
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