Comer é bom mas me atrapalho

Comer é bom mas me atrapalho

Comer. Para mim um dos melhores prazeres da vida. Não é comer muito, não. É comer bem. Aquela comida que agrada nosso paladar. Aquela comidinha gostosa, bem temperada, que só o cheiro já nos deixa louco de vontade de traçar.

Comida também atrapalha. Quando não se conhece o prato por exemplo. Pede-se na lanchonete ou restaurante só porque ouviu alguém falar que era bom. Me lembro bem, ainda adolescente, ouvia muito falar de um tal de “Cartola”, que servia nas lanchonetes. Tendo conseguido algum dinheiro me aventurei a comer um, numa lanchonete que havia na Rua da Imperatriz, a Confiança. Chegando lá pedi a garçonete: me trás um “Cartola” e uma vitamina de banana. A garçonete talvez querendo me adivertir do engano na pedida, ainda disse: “você gosta de banana!” e eu pensando tratar-se da vitamina, logo respondi: é a minha preferida. Pensava eu que “Cartola” fosse algum sanduíche e seria muito bem acompanhado com a vitamina. Quando vi na minha frente um prato com banana frita coberta com queijo prato e canela e ao lado um copo com mais banana misturada com leite e chocolate, foi que percebi o por quê do “você gosta de banana”.

Restaurante bacana tem mania de trocar o nome das comidas. Macarrão eles chamam “Spaghetti”. Não comia em restaurante porque não sabia enrolar no garfo. Em casa comia cortadinho. Fritada eles chamam “Omelete”. Molho de tomate, eles dizem “Ao Sugo”. Quando me falavam só entendia ao suco. Tem uns peixes “empanados” que nunca vi um pedaço de tecido envolvendo os bichinhos. Tem uns pratos “puxado ao azeite”. Até hoje não entendo como se puxa alguma coisa com azeite.

Durante algum tempo trabalhei no bairro do Recife e fazíamos refeições num restaurante muito conhecido, O Gambrinus. Tinha uma culinária muito variada e os pratos eram bastante saborosos. Eu gosto de carne, principalmente de uma que minha mãe fazia que chamava de “rosbife”. Pois bem. Disse comigo mesmo, vou experimentar o rosbife do Gambrinus. Chegando lá, li o cardápio de cima pra baixo e de baixo pra cima e não encontrei o tal rosbife. O colega que me acompanhava sugeriu comer um “Camarão à Francesa”. Ora, a culinária francesa é famosa no mundo inteiro, então aceitei a sugestão e fiquei ansiosamente aguardando a iguaria. Decepção. O que eles chamam “á Francesa” era nada mais nada menos do que ovos mexidos com camarão. Aí eu conhecia, pois estava acostumado a comer quando pescávamos nos barreiros do Engenho do Meio e minha mãe para acrescentar fazia com ovos mexidos pra dar pra família toda. Só que lá em casa a gente comia com casca e cabeça e bem vermelhinho. Sem cabeça e sem casca não tinha gosto de camarão.

De outra feita resolvi comer carne, que em casa só se comia raramente ou quando mordia a língua. Eu havia escutado falar de um tal de “Filé”. Encontrei no cardápio. Mas o de lá era diferente do que eu procurava. Era maior. Eles acrescentaram um “t” no final, “Filet”. Outro atrapalho. Tinha vários. ”Ao molho madeira”, pensei não deve prestar, molho de madeira, não sei nem que madeira é essa, passei. Um outro, “Diplomata”. Disse logo não é prá meu bico, sou um simples bancário. Tinha um outro que me agradou o nome: “Com Fritas”. Eu não sabia o que era “fritas”, perguntei ao colega, ele disse que era batata. Pronto batata eu gosto. Agora tá fácil. Chamei o garçom e com cara de entendido falei: me traz um Filet com Fritas. Pensei ter resolvido minha pedida, mas não. O garçom perguntou: bem passado, mal passado ou ao ponto? Dúvida cruel. Pensei, mal passado deve fazer tempo que foi feito e tá mal. Bem passado, deve fazer tempo também, mas ainda está bem. E o “ao ponto”, o que seria? Me arrisquei, “ao ponto”, como quem entende de carne. Não sabia eu que se tivesse pedido “mal passado” tinha comido o rosbife que eu tanto procurava. Gostei da pedida, porque Filet é bom de qualquer jeito.

Outro dia voltei lá com outro colega e contei da minha vontade de comer rosbife e aquele restaurante não tinha. Ele prontamente asseverou. Como não tem? Ainda ontem comi. Eu disse: mas no cardápio não tem. Novamente me contradisse. Tem sim. Pegando o cardápio, com o dedo indicador, disse olha aqui. Então entendi porque não encontrara. Mudaram nome. O “ros” que minha mãe fazia, acrescentaram um “a” no meio e um “t” no final e virou “ROAST” e o bife de minha mãe, eles trocaram o “i” por um “e” e o “e” do final do bife de minha mãe eles juntaram com o que eles haviam trocado com o nosso “i” e ficou “BEEF”.

Finalizando eu procurando “ROSBIFE” me colocam “ROAST BEEF” no cardápio.

Não ia comer nunca.

Massilon Gomes
Enviado por Massilon Gomes em 23/01/2017
Reeditado em 24/01/2017
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