O brasileiro e seu espírito transgressor: a gênese da corrupção

* Por Herick Limoni

Há alguns meses, ao assistir pela internet a uma entrevista do professor Clóvis de Barros Filho a Jô Soares, em seu programa do Jô, da Rede Globo, chamou-me atenção uma passagem em que ele cita que um pai, ao levar uma criança a um parque de diversões, no momento em que se preparavam para entrar em um brinquedo em que crianças de até seis anos não pagavam o ingresso, mente ao funcionário encarregado de fiscalizar a idade dos entrantes, dizendo que seu filho teria seis quando na verdade tinha sete anos. Imediatamente a criança, no auge de sua pureza e inocência corrige seu pai, na frente do funcionário do parque, dizendo que já tinha feito sete anos. Tão logo o pai ouve aquilo, segundo o professor, dá um “pescotapa” no menino o repreendendo, voltando a afirmar que a criança tinha seis, e não sete anos. Isso tudo para não pagar o ingresso que, imagino, não deveria ser caro.

Quando ouvi tal passagem passei a refletir sobre o espírito transgressor dos brasileiros, ainda que saiba que outros nacionais também possam ter esse mau hábito. Esse tipo de transgressão, que a uns pode parecer inocente e inofensiva, é muito comum no Brasil, e traz consigo muitas implicações. Quem nunca se deparou com uma pessoa estacionando seu veículo em vaga reservada a idoso ou deficiente sem o ser? Quem nunca presenciou um “espertinho” ocupar uma vaga de estacionamento na frente de outro veículo que já aguardava para estacionar? Quem nunca soube de uma pessoa que recebeu o troco para mais e não se manifestou a respeito?

Estes três exemplos comezinhos, que para muitos, volto a dizer, são inofensivos, podem estar na gênese de muitas outras e piores ações, como é o caso dos últimos grandes escândalos de corrupção no Brasil. E infelizmente, essa natureza transgressora do ser humano há muito faz parte da nossa história. A primeira transgressão que se tem notícia está descrita no livro de Gênesis, da Bíblia Sagrada, onde Adão e Eva, após advertidos por Deus de que não deveriam comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o fizeram, ainda que outras muitas árvores frutíferas existissem no paraíso e estivessem a disposição para se alimentarem. Mas o espírito transgressor falou mais alto.

Há alguns dias, ao transitar com meu veículo a 60 Km/h, em uma avenida de Belo Horizonte, onde a velocidade máxima permitida naquela via era 70 Km/h, visualizei um motoqueiro em uma moto pequena que, ao passar por um radar fotográfico, levou a mão esquerda para trás, ocultando sua placa para que o equipamento não pudesse registrá-la em caso de multa. Saliento que o referido motociclista não deveria estar acima dos 70 Km/h permitidos, tendo em vista que custou a me ultrapassar, e aí fiquei refletindo o porquê dele ter agido daquela maneira. E a única resposta que encontrei é que seu espírito transgressor deve ter se manifestado mais uma vez, pois certamente aquela atitude lhe era costumeira.

Talvez essa necessidade de transgredir ajude a explicar o motivo pelo qual o Brasil foi classificado como o 4º país mais corrupto do mundo pelo Fórum Econômico Mundial, no final do ano passado, atrás apenas de países inexpressivos como Chade, Bolívia e Venezuela. E a consequência de toda essa corrupção foi a queda do país, ano passado, da 7ª para a 9ª posição no ranking das maiores economias do mundo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Tudo isso junto representa uma piora significativa na qualidade de vida da população brasileira, principalmente das camadas mais pobres.

Mesmo com tudo isso, mais de 2000 anos depois, continuamos tentados a comer do fruto proibido. Há um adágio popular que diz que “tudo que é proibido é mais gostoso”. Pode até ser. Mas o preço da transgressão é alto, muito alto. Que o diga Nosso Salvador, que foi pregado na cruz para limpar nossos pecados em razão das transgressões humanas.

* Bacharel e Mestre em Administração de Empresas