Palavra Solta - as outras canções dos gatos

*Rangel Alves da Costa

Outro dia aqui escrevi que os gatos também cantam. Mas suas canções não alegram nem contentam corações. Por isso mesmo que não sei se o que ouço são canções ou lamentos entoados. Nas altas horas da noite, quando minha solidão se faz mais profunda e triste, quando todos os álbuns e retratos já entraram e saíram de minha mente, e o meu travesseiro já não sabe se é pano ou lenço, então me chega a canção do telhado. Canto alto, gritante, pesaroso, dolorido demais. Um gato, dois gatos ou mais, uma sentinela de adeus ou uma incelença de abandono e desvalia. Gatas tristes, carpideiras, funestas, ecoam seus lamentos bem acima da minha noite e do que me resta viver. Gatos tristes, soluçantes, ressoam seus prantos em vorazes brados. Então abro a janela, subo pela parede e vou ao telhado. E começo a cantar a mesma canção dos gatos: solidão, solidão, solidão... Mas acabei descobrindo que os gatos também cantam outras canções. Ninguém as ouve porque são tão silenciosas como bocas de palavras presas. Sofrem sem grito ou gemido as ausências e recordações. Apenas lançam seus olhos incandescentes em direções que a noite esconde. E lá avistam os amantes em suas refregas e as desmedidas entregas. Mas são seres humanos. E os gatos talvez não mereçam amar assim. Mas apenas sofrer nas noturnas solidões.

Escritor

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