O reflexo no espelho

“O Brasil não é para principiantes” a frase de Antônio Carlos Jobim, um de nossos maiores nomes da música brasileira, define de maneira enfática e precisa o comportamento sócio cultural brasileiro. Viver em terras tupiniquins é ter certeza da incerteza, é cair na toca do coelho e ver a fantasia dar lugar a realidade, é encontrar no absurdo seu lugar comum, é fazer da cordialidade a oposição da polidez e, da ética, discurso vazio de intolerância ou discriminatório. Principiantes não há princípios desde o principio!

Se contar ninguém acredita, a expressão se mantém autêntica mesmo desgastada, reflexo dos paradoxos brasileiros, uma vez que de fato ninguém acredita, como por exemplo: quando um sortudo de um deputado ganha mais de duas centenas de vezes na loteria, milagres acontecem, sobretudo num país tão devoto quanto o nosso, os pastores que o digam, com seu discurso de prosperidade prosperam que é uma beleza, compram horário em emissoras de TV, constroem templos, e edificam fortunas enquanto seus fiéis seguidores colam adesivos em seus carros com frases do tipo: “Foi Deus quem me deu.” Fico imaginando Deus atribulado em meio a tantos pedidos de cura, emprego, sucesso e até um amor pra variar, afinal quem não quer ser amado. Se você não recebeu sua benção foi por pouca fé ou a oferta ínfima, afinal o todo poderoso não se contenta com migalhas e pode até lançar castigos e pragas a um filho ingrato que lhe atire modas sem nenhum sacrifício.

É difícil de acreditar, mas assim caminha nossa sociedade em protestos e batidas de panelas contra a corrupção de seu governo representado por mensaleiros, empreiteiros, marqueteiros, tesoureiros, politiqueiros e ex-torneiro. Todos, farinha do mesmo saco, menos a população que os elegeu é claro, e não me refiro a este ou aquele partido, afinal divergências a parte o interesse é sempre o mesmo, mas como vinha dizendo todos esses são cidadãos de bem, corretos íntegros, que não tiram vantagem de nada, jamais estacionam em fila dupla, ultrapassam pelo acostamento ou dirigem ao celular, estes também não furam fila, nunca perturbam o sossego alheio, jamais colaram numa prova, não dão jeitinho para nada, sabem bem o significado das palavras, direitos e, sobretudo, deveres e nunca, jamais sonegam seus impostos. Se Jesus voltasse a Terra estariam todos salvos. “Bem-aventurados os pobres de espirito, porque deles é o Reino dos céus.”

Só que não! E acreditamos no absurdo pelo simples fato de que o absurdo nos convém, acendemos uma vela para Deus e a outra para o Diabo e rezamos para que chegue a nossa vez, nossa indignação nunca é ética, palavra usual, mas sem nenhum sentido por aqui, a indignação é sempre uma dor de cotovelo por não fazer parte do bolão dos acertadores da loteria federal em que apostava o deputado João Alves que os céus ou o inferno o tenha. E assim inconformados assistimos pelo noticiário dia após dia mais e mais notícias de corrupção, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito. Enquanto o governador Cabral presenteia sua mulher com um anel de 800 mil reais a gente parcela as nossas alianças de 80 pilas compradas no cartão de crédito para levantar alguns pontinhos e trocar por uma viagem de fim de semana após estourar seu limite e arcar com juros de mais de 400 por cento ao ano, afinal no Brasil tudo é possível com exceção da razoabilidade e do bom senso em quase tudo. Parece até que vivemos num mundo de faz de conta digno de ser narrado por autores como Aldous Huxley e Lewis Carroll que não duvido muito se impressionariam com os relatos desse admirável mundo novo onde o país das maravilhas e excentricidades não é mais que o espelho da miséria humana condicionada pelo caos e a degradação social.

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