O Dia das Lentes

Era pra ser mais um dia normal de trabalho, numa manhã de sábado, com um pouco de ressaca mas nada que uma pastilha de hortelã não desse conta de disfarçar o aroma de quem tomou umas na noite passada. Porém as coisas nem sempre saem como o planejado não é mesmo!? Depois de ter passado por uma noite cheia de desventuras, eu cheguei ao serviço com uma hora de atraso e com uma feição que nenhuma pastilha de hortelã poderia disfarçar. Afinal de contas estava ali, estampado na minha cara, bem visível através dos meus dois olhos bem vermelhos como nunca haviam ficado antes, notável que eu havia tomado umas além da conta. E bem diante de mim estava ela, a minha chefe, que por ironia do destino estava passando pela portaria bem na hora em que cheguei na loja, olhando nos meus olhos vermelhos percebendo na hora que eu estava de ressaca. Em minha vantagem eu tinha um histórico impecável, sem atrasos e muito menos cara de ressaca, além de ser um funcionário de confiança e que já estava sendo cogitado para uma função mais importante. Diante disto a gerente fala comigo com um ar sereno, como quem está vendo claramente que alguma coisa deu errado:

- Bom dia Rafael. O que foi que aconteceu?

Então eu disse a ela que a história era comprida, mas pra resumir, eu tive um "acidente" quando fui retirar as lentes de contato, por isso os olhos vermelhos, e ao colocar o despertador a visão estava turva, meio embaçada por causa da irritação nos olhos, e aí não percebi que havia programado o despertador uma hora depois do que deveria, por isso o atraso. Ela aceitou a explicação curta por hora, afinal de contas era a verdade e já tinha serviço me esperando pra ser feito. Mas ela também deixou a entender que eu não me safaria tão facilmente, que em algum momento eu teria que explicar timtim por timtim essa história do "acidente" com as lentes de contato, história que ficou conhecida como "O Dia das Lentes".

O  Dia das Lentes ai ai.. por onde começar..

Bem pra começo de história eu pensei que tudo fosse dar certo como na sexta anterior em que fui na praia grande com um amigo, bebemos um pouco, encontramos alguns conhecidos, trocamos umas idéias, tomamos uma saideira, olhamos para o relógio, que marcava 22h, e dissemos:

- Tá na hora né, amanhã tem serviço cêdo.

Hehehe não foi bem assim. Combinei de sair com um grande amigo meu que aqui vai se chamar apenas João. E dessa vez convidei uma amiga que convidou outra amiga, passei no supermercado comprei uma bebida que a gente costumava beber da versão cristal, mais suave que a normal, João levou o energético pra fazer a mistura, beleza até ai. Tenho um tio bartender que tem uns copos descartáveis de festa, aqueles copos transparentes de servir drinks, dai levei uns três pra gente beber com estilo claro. O problema foi que consegui quebrar os três copos antes mesmo de usar, aconteceu quando estava no ônibus, fui sentar e me encostei na bolsa, só ouvi o barulho deles rachando. Que saco eu pensei, mas tudo bem porque eu havia levado um copinho de doses que também era bastante estiloso. Cheguei lá na praia grande, encontrei João primeiro, demos uma volta pra ver como estava o ambiente, tudo tranquilo, a noite era ainda um bebê, paramos na feirinha da praia grande pra começar a aquecer um pouco, tirei a bolsa da costa que tava com a cristal e coloquei em cima da mesa, só que o copinho de dose foi se arrumar justamente debaixo da garrafa e quando fui apoiando a bolsa em cima da mesa só ouvi a barulhinho, novamente, do copo rachando..

-Puts!

Cheguei a estremecer com o barulho porque era nosso último copinho estiloso. Em seguida esbarrei o braço na bolsa e lá vai a bosa pro chão com litro da cristal e tudo. No reflexo consegui segurar no fio da bolsa antes do litro bater no chão. Engraçado foi a expressão de João na hora que tudo isso aconteceu assim, sem mais nem menos.. Ele me olhou com os olhos arregalados enquanto dizia:

- Ê RAPÁH!!

Foi por pouco. Nessa hora eu percebi que alguma coisa não estava certa, a gente já estava sem copo estiloso e quase ficamos sem bebida, mas como já estávamos lá e as garotas também já estavam chegando, continuamos na noite. Isso porque eu não tinha noção do que ainda estava por vir. Já eram quase 22h quando as garotas resolveram chegar, bebemos e fomos pro samba. Olhei para o relógio e já comecei a me preocupar afinal sexta passada nessa hora a gente já estava indo pra casa, o trabalho no outro dia de manhã cedo me lembrava sempre que não podia exagerar, mas como já passava das dez mesmo, e nesse horário não havia mais nenhum ônibus circulando que desse pra gente, o jeito era ficar mesmo e pegar o ônibus corujão de uma hora da manhã. Até foi bacana ter ficado porque conheci uma garota lá e ainda rolou uns beijos e tals.. talvez tenha sido o único momento de boa sorte na noite. Enfim dançamos e tomamos mais uns dois chopps no samba, deu meia noite e João disse que já ia embora, que já tava "de boa", e eu disse pra ele:

- Beleza cara falô, vou ficar por aqui mais um pouco afinal o ônibus lá na Integração sai somente 1h.

Daí ele foi e eu fiquei sambando lá com as mina até dar 00:40h. Então chegou a hora de partir, me despedi das garotas, que ficaram por lá, e fui pra Integração de ônibus. Chego lá dez minutos pra uma hora, e advinha.. o ônibus já havia saido. Caramba eu fiquei muito puto com os fiscais de lá, chamei um e começei a esporrar:

- Pô cara se o ônibus tem hora fixa pra sair, a gente se programa contando que vai pegar o ônibus nessa hora.

E falei e falei e falei, até que um ecarregado de lá, com um bom senso admitiu que o fiscal errou ao liberar o ônibus antes e me pediu desculpa, mas também disse que nada mais poderia ser feito e que o jeito era esperar o de 3h. Deixei três garotas dançando desacompanhadas pra ir mais cêdo pra casa e na hora isso, puts. Foi então que o João, que tinha saido mais cêdo que eu, entra na Integração. Eu olhei pra ele, que já estava mais "de boa" do que quando nos despedimos, e me senti um pouco melhor porque ao menos não estava sozinho lá naquela situação. Mas algo ainda teria que ser feito pra curar de vez a indgnação de perder o ônibus. A decisão, que provavelmente não a mais sensata, foi voltar pro reviver e pegar as garotas de surpresa. A gente então voltou, mas não encontrou as damas. Então me lembrei que elas estavam querendo ir a alguma boate e fomos lá atrás delas.

Chegamos numa boate que não estou lembrando bem o nome, mas sei que era nova lá no reviver e que tinha dois ambientes. Também não lembro da conversa que eu tive com o segurança na portaria, provavelmente ele já me conhecia de outras bandas, mas sei que a gente entrou sem pagar a porta. A boate foi perfeita para extravazar o stress de perder o ônibus. Apesar de não encontrarmos mais as garotas, foi bacana e chegamos na Integração meia hora antes pra garantir que dessa vez não perderíamos o ônibus das 3h, sem contar que a gente avisou pros fiscais que se o próximo ônibus saisse adiantado de novo ia dar confusão e o João é malhador, dá uns dois de mim, imagina a pressão psicológica que o fiscal pegou.. hehe, é isso aí, direitos garantidos! Resultado que o ônibus saiu às três horas em ponto mesmo. A partir dai a história já é mais ou menos conhecida. Tenho o costume de tirar as lentes antes de dormir, mas dessa vez eu cheguei em casa e a primeira coisa que fiz foi tirar as lentes! Depois fui comer alguma coisa, tomar um banho e quando fui dormir.. tsc tsc tsc.. fiquei metendo o dedo no olho pensando que ainda estava usando as lentes, eu só parei porque olhei pro estojinho e tava fechado, normalmente eu deixo aberto pra colocar as lentes lá depois de tirar, ai pra minha surpresa, quando abri as lentes tavam lá bonitinhas! Aff, que doido! Exausto, com os olhos irritados e a visão turva, peguei o celular toquei na tela pra ligar o alarme quando acidentalmente pulou uma hora, em vez de despertar 5:50, programou 6:50. Acordei 6:30 e liguei pra minha gerente pensando em um melhor jeito de explicar meu atraso porque 6h já era pra estar lá abrindo a loja junto com ela. E depois que me olhei no espelho e vi meus olhos extremamente vermelhos, pensei em voz alta:

- Agora lascou de vez!!

Por mais incrível que pareça minha gerente adorou ouvir essa história, talvez tenha sido a riqueza de detalhes em que foi contada que tenha lhe agradado, ou a pitada de humor em meio a tantas desventuras, vai ver foi a sinceridade de alguém sem motivos pra inventar uma história dessa.

Ela gostou, porém resolveu acrescentar algo de bom nisso tudo, me ensinou a abrir os olhos e retirar as verdadeiras lentes que estavam turvando minha visão, não aquelas de silicone com 2,50° de cada lado, e sim aquelas que eu usava sem perceber, aquelas que me faziam acreditar que só podia me divertir bebendo, que beber era normal e fazia parte da vida, quando na verdade eu só me dava mal e cada vez pior.

Enfim.. segundo informações coletadas na época, soube que o protagonista dessa história deu um tempo de beber porque sentiu que as coisas estavam desandando, e reorganizou sua vida devido ao conselho de sua gerente. Focou em tirar sua carteira de habilitação e comprou uma moto novinha pra ele o que reduziu o stress cotidiano em mais da metade, já que finalmente ele não dependia mais de ônibus coletivo, nem de corujões desorientados.. Sem stress, sobrou tempo pra pensar com clareza nas prioridades da vida, focou no trabalho, foi promovido a gerente de setor, chegou lá onde queria, porém, embora tenha conquistado seu objetivo, após ter chegado lá, viu que o que tinha conquistado não era bem exatamente o que ele desejava pra si. Mas aí já é outra história, esta que também pode estar cheia de desventuras e recheadas de:

- Oh meu Deus!! Como foi que isso aconteceu?

Quem sabe a gente conta mais em outra hora não é mesmo. E assim termina a história sobre "O Dia das Lentes", resta na cabeça a dúvida, será mesmo que há males que vem para o bem?

Agradecimentos ao meu grande amigo João por contribuir nessa história de vida.

gabrielus
Enviado por gabrielus em 19/01/2017
Reeditado em 26/01/2017
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