Meu medo de voar

Como nas peças que a vida prega, eu que quando criança adorava aviões, acabei adquirindo certo temor de voar. O motivo é mesmo singelo: meu pai tinha medo de avião, mais do que justo que eu tivesse também. Quase 15 anos depois, estamos nós, voando de volta pra casa: eu, alerta, e ele, no mais profundo sono. Lembro de quando, tão pequena, segurava sua mão pois que a viagem parecia intranquila demais. Pergunto-me em qual esquina desaprendi essa doçura infantil e hiperbólica. Penso em acorda-lo, em olhar no fundo de seus olhos e dizer : "pai, tenha medo!", na tentativa desesperada de justificar meu desespero tão só. Olho para os lados e, enquanto todos dormem, lentamente cutuco minha mãe que, sem se comover com a minha dor, continua nos mais profundos sonhos. Estou só. O avião cai para os lados, treme, e a menina que um dia acreditou ser voar uma aventura prende-se à cadeira em busca de proteção.

E, enquanto escrevo, esqueço. Por um só segundo, meus pés desativam o estado de alerta e não mais se preparam para correr. Por só um segundo, a confusão que criei em mim, os cenários de turbulência e preocupação, dissolvem-se na certeza de que não há perigo iminente, há apenas os perigos que já foram desconhecidos da menina que amava voar. De repente, sinto um toque doce em meus ombros, é o comissário que, sorrindo, me diz para ir dormir. Poderia contar a ele sobre todas as outras turbulências que, em chão firme, me tiram o sono. Ou das tantas noites de insônia que atravesso por todas as urgências que me alertam. Digo a ele que estou com medo. E, ainda sorrindo, ele me pergunta: medo de que? Não digo mais nada. Ajeito-me no pequeno travesseiro e, hermética, temo nunca ser aquela que descansa durante a vida, ou que tem a paz e o sono: a coragem de voar sozinha. O comissário me observa do canto, meus pais continuam em sono profundo. Decido dormir, ou, ao menos, tentar. De repente, como se estivesse adentrado em uma cartola mágica, sinto-me flutuar na cadeira que balança, agora, sozinha. Deixo a aeronave seguir seu rumo e, encantada por uma coragem bonita, crio minhas asas e traço ali um infinito. Não há compromissos ou ansiedades, não há nada no mundo, que está cada vez mais distante, distante e distante. Fecho os olhos e minha respiração é tão lenta que quase não me reconheço. Atravesso-me e esqueço tudo aquilo que há muito me amedronta ao tirar a calma intrínseca à vida. Está tudo bem. Durmo. E acordo em casa, aliás, acordo em mim.