Ele foi morar com as estrelas

Foi na manhã de 9 de julho que ele chegou. Era o mais bonito e o mais robusto de uma ninhada de cinco, daí ter inicialmente sido denominado de Supercão e logo ganhou a simpatia unânime para ficar. Seus movimentos passaram a ser acompanhados e inúmeros comentários elogiosos eram proferidos por todos os da casa. Houve sim, uma fase em que o Catulinho (bem, esse foi um dos nomes que ele recebeu, uma variação tatibitate de cachorrinho) se tornou inconveniente, mais pela intolerância dos humanos, e foi deportado para outra família. Mas logo ele foi repatriado ao sabermos que sofrera maus-tratos. O resgate foi emocionante e quando estava comigo e meu filho Hermom no carro, suas lambidas em meu pescoço foram suficientes para transmitir sua alegria e gratidão. E desse dia em diante o Papudinho (em alusão a cara de um político), Gratulino (variação de Catulinho), Tapete Urso (porque quando se esparramava parecia uma pele de urso), Dragão Chinês (porque quando andava às vezes se desconjuntava todo), Gudelo, Gudelinho - esses foram alguns dos nomes que lhes demos - passou a conviver mais conosco e gozar da mais alta tolerância. Sofreu de minha parte um puxão de orelha quando molhou a sala, lição que foi aprendida. Daí em diante era só elogios. Raras censuras quando saía pela grade para a rua ... Já no final da tarde de dez de dezembro o nosso Catulinho expirou, sendo pranteado por todos os integrantes da família, inclusive Mily sua mãe. Na manhã seguinte a sensação do vazio levou-me a desejar que Deus, ao me dar a vida eterna, me presenteie pelo menos com alguns dias com a presença de nosso Catulinho para que possamos passear juntos, quando então espero pedir-lhe perdão pelas vezes em que fui intolerante e pelo desleixo em não observar a tempo a doença que o levou precocemente. Ele então me traduzirá os latidos e abanos de rabo que não entendi. Daremos boas risadas, nos rolaremos na relva e apreciaremos o que de melhor a natureza daqueles dias nos puder oferecer. Por ora, enquanto a saudade é lágrimas, me consolo lembrando das palavras de criança de minha filha Robina quando outro de nossos bichinhos, o gato Chinho, também se foi, há uns cinco anos: “Ele foi morar com as estrelas”. Assim acredito e procuro senti-lo olhando o céu à noite.

Belém, 11/12/96.