NON HABEMUS PAPAM (2013)

Dia desses andava meio distraído tartamudeando com meus botões. Ao passar pela porta de uma igreja vi um cartaz com os seguintes dizeres: “Hoje, à noite, ladainha e terço em homenagem a São Miguel Arcanjo”.

Dei meia trava na caminhada, postei-me bem em frente ao cartaz e passei a racionalizar sobre o que ali estava escrito, na tentativa de encontrar a razão lógica de uma estapafúrdia situação hierárquica.

Quando servia à pátria, durante 31 anos, convivi com os meandros da hierarquia militar, seus desdobramentos para o bem e para o mal, bem como o feijão com arroz das continências, da junção dos calcanhares, dos sinais de respeito e demais rapapés que demandam, de cima para baixo, dos planos e estrelas prateadas e douradas...

Com toda cascata de comportamentos que a cadeia de comando exigia, não era nada difícil a convivência, uma vez que o ingresso nas legiões se fez de forma voluntária e os regulamentos já estavam lá há muito tempo, de modo que qualquer reclamação se faria desmedida.

Mas, ali na frente da igreja, nada havia parecido com isso na vida ou eternidade do homenageado, o São Miguel Arcanjo. Ao mesmo tempo, santo e arcanjo.

Foi então que comecei a dar tratos à bola. Afinal, qual é a precedência hierárquica entre um santo e um arcanjo? Para mim foi muito fácil a resposta, uma vez que estava acostumado, em razão da vida profissional já bem longe, por conta da aposentadoria.

Quem promoveu ou deu ao Sr. Miguel a patente de “arcanjo”? Aliás, o que é um arcanjo? Diz o dicionário que “arcanjo é um anjo de ordem superior; um primeiro entre os anjos”. Assim, deduzi que se trata de um hierarca equiparado, entre nós, a uma espécie de general das legiões angélicas.

Considerando que os anjos estão circulando no Universo muito antes de nós, pobres humanos, é fácil de entender que quem os nomeou ou promoveu foi o próprio Criador, Deus, com o objetivo de delegar poderes e funções no seu processo administrativo cósmico, nada fácil de administrar sozinho.

E agora? Quem resolveu se imiscuir nessas coisas complicadas e deu ao arcanjo o título de Santo? Afinal, o que é um santo? Quem diz que fulano ou beltrano é um santo? Se já é arcanjo, qual a razão de ser denominado santo?

Voltando ao dicionário, entre outras, define o verbete: “Santo – indivíduo que morreu em estado de santidade; canonizado”.

Ora! Se um arcanjo nunca morreu, como é que pode ter “morrido em estado de santidade”? Quem diz que o defunto é santo, é o Papa, assessorado por uma “Comissão de Promoções”, uma espécie de “Comissão da Verdade” composta por cardeais, a portas fechadas, lá nos recônditos do Vaticano.

Pelo que sabemos, somente uma autoridade maior pode investir uma outra, de igual ou de menor grau na hierarquia, respaldada por uma posição de poder institucional.

Então, podemos concluir que os cardeais e o Papa são mais santos do que os santos e, assim, o Arcanjo passa a ser “santo” por decisão canônica, resultante de uma convenção clerical, à vista do exame acurado de suas fichas de conceito pela “Comissão Cardinalícia”.

Prosseguindo, qual é a patente mais destacada; a de arcanjo ou a de santo? A promoção a santo, afinal, prestigia ou desprestigia um arcanjo cuja patente lhe foi distinguida pelo próprio Deus?

Por extensão, os santos que fazem parte do panteão excelso, sagrados pelo Vaticano, em que situação se encontram diante de todos aqueles outros hierarcas, lá no céu?

Saindo do caso dos arcanjos e passando para os simples anjos, quem manda mais, lá no céu, eles ou os santos? O que fazem os santos lá? Ficam ouvindo os anjos de bochechas rosadas tocando liras e vuvuzelas ou cuidam de alguma coisa como embaixadores da Santa Madre?

Se toda essa confusão já era difícil de explicar. O que dizer da situação desconfortável dos santos que, agora, passaram a saber que foram promovidos por uma “Comissão” de encanecidos solidéus mais suja do que pau de galinheiro? E pior, ainda, que muitos desses purpurados estão metidos com a máfia italiana, homossexualismo e pedofilia?

Embora tudo esteja envolvido em uma atmosfera de sigilo, parece estar havendo uma pendenga jurídica excelsa para definir jurisprudência a respeito da precedência hierárquica celeste. Afinal, quem manda em quem? Os santos canonizados pela Cúria descurada ou os anjos e arcanjos nomeados por Deus?

Nem o Papa agüentou essa! Não esperou para ver! Com os olhos esbugalhados, de santa ira, deu um passo à frente, juntou os calcanhares, xingou um palavrão em Alemão e pediu para sair de forma!

O camerlengo, sem entender direito o que acontecia, saiu pelos corredores do Vaticano, com o turíbulo na mão, berrando a plenos pulmões: “NON HABEMUS PAPAM!”...

Amelius 20/03/2013 – 13:53Hs

Amelius
Enviado por Amelius em 29/08/2015
Código do texto: T5363939
Classificação de conteúdo: seguro