Uma Conversa Sobre Literatura

Com García Márquez aprendi que escritor tem que ter, sobretudo, boa memória. Já há algum tempo topei com um programa na TV local, sobre literatura. Duas escritoras ali falavam sobre seus mais recentes trabalhos. Não lembro detalhes: o nome das escritoras*, os livros que ali estavam divulgando, muito menos o nome do programa e o canal de TV. Sim, o que ficou desse momento, em minha memória, reproduzo aqui. Primeiro como um exercício e, segundo, porque achei muito interessante as histórias. Aqui vai uma compilação de minhas lembranças:

MODERADORA: Queridos telespectadores, hoje aqui recebemos duas escritoras, autoras de (...) e (...), livros que acabaram de ser lançados (...) Bem vindas! Sim, você é argentina, vive já na Alemanha há muito tempo, de onde veio a idéia de escrever esse livro, e em Alemão?

AUTORA ARGENTINA: Pois é, desde que comecei a pensar sobre a história que conto neste livro eu sabia que ela não poderia ser contada em outra língua que não o Alemão. Quando escrevo em Alemão eu me sinto mais protegida. Acho que assim como eu, a protagonista da minha história passa um bom tempo tentando se esconder. Há muitas coisas sobre a história do meu país que eu não me sinto ainda à vontade para falar na minha língua materna. Já usando o Alemão, uma língua estrangeira, sinto-me mais segura para falar. Eu me escondo. Sim, na verdade uso essa língua como um escudo, uma armadura.

MODERADORA: No seu livro há um mistério que não é revelado. Você poderia aqui nos dizer o que seria isso então o que tanto busca a protagonista, em seu livro?

AUTORA ARGENTINA: Não, isso eu não pretendo revelar. Assim como eu, a heroína da minha história também se esconde na linguagem. Esse mistério foi pensado e construído, exatamente, para assim continuar.

(...)

MODERADORA: Você viveu por muito tempo na Bélgica, onde nasceu. Depois veio pra cá (para a Alemanha) e passou um bom tempo também vivendo nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Que língua você mais usa para escrever seus poemas?

AUTORA BELGA: Em primeiro lugar, boa noite. Olhe, acho difícil escrever poesias em outras línguas que não seja a língua mãe. Portanto, a língua predominante em meus escritos é a nativa. Porém, há determinados poemas, como esses que agora publiquei neste volume, que tinham que ser escritos em Alemão, assim como outros que só pude escrever em Inglês. Não sei bem explicar, cada poema dita a sua forma, tem a sua hora. Na verdade sinto que influencio bem pouco o processo de criação dos meus poemas. O máximo que faço é silenciar para poder ouvir, captar as palavras, sejam elas em que língua queiram brotar.

MODERADORA: A história do seu livro se passa em Berlim. O que levou você a escolher essa cidade como cenário?

AUTORA ARGENTINA: Primeiro porque eu amo essa cidade. Berlim, com toda sua ambigüidade e loucura, me deu a chance que eu precisava para me soltar, descobrir quem sou, afogar os fantasmas políticos que assombraram minha vida antes de eu ter vindo para cá. Como já disse, no Alemão encontrei a liberdade que eu não tinha para reviver fatos dolorosos que aconteceram na Argentina, sobre os quais ainda não me sinto preparada para falar em minha própria língua.

MODERADORA: E você, de onde vem essa força avassaladora da poesia em sua vida? Desde quando você escreve poesia?

AUTORA BELGA: Olhe, eu escrevo poesia desde sempre! Desde muito pequena já enchia páginas de cadernos com meus versos. Se bem que só depois de adulta fui me deixando convencer por parentes e amigos a publicá-los.

MODERADORA: Você estudou Física Quântica e acabou vindo para a Literatura. Como foi essa virada em sua vida? O que levou você à Física?

AUTORA BELGA: Física Quântica é algo que sempre me fascinou, desde mocinha. Para falar a verdade, não consigo ver diferença entre Física Quântica e Literatura. Continuo atuando como física, pois a Física é uma parte de mim. Não diria que “vim para a Literatura”. A poesia é um outro lado meu, um lado que me completa como física. Acho que é isso, uma coisa completa a outra.

(...)

E essa conversa continuou, gostosa...

Eu não costumo ver televisão. De vez em quando acontece comigo de eu estar cansada, querendo pensar em nada, ligo a "caixinha" e tenho a sorte de encontrar coisas interessantes que acabam por prender minha atenção. Teve ainda leitura de trechos dos livros em questão, até de um poema lindíssimo, da autora belga, sobre o tema “Água”, em Alemão. Infelizmente faltou espaço em minha memória (ou prioridade) para guardar também o poema lido. Ficou o sentimento, uma poesia de uma sensibilidade tão grande, refrescante e pura como água cristalina brotando da fenda de uma pedra, na floresta... Fiquei encantada. Há determinadas coisas que é preciso vivenciar, não dá simplesmente para reproduzir.

Bom, fico por aqui. Para mim foi um exercício gostoso lembrar dessa conversa. Espero que para você (que me leu) também tenha sido bom.

Um abraço fraterno :-)

* Escrevi esse texto há mais ou menos um mês, e só hoje encontrei em umas anotações os nomes das entrevistadas. A escritora argentina chama-se Maria Cecília Barbetta e a belga, que na verdade é BÚLGARA, chama-se Tzveta Sofronieva. Desta última encontrei um site na internet (em Alemão, “Sorry!”): www.tzveta-sofronieva.de. O livro que Sofronieva estava divulgando chama-se “Eine Hand Voll Wasser” – Uma Mão Cheia D’Água.

Nota da autora:

A entrevista aqui relatada não condiz 100% com as falas e declarações das pessoas envolvidas. Como já expliquei, queria só exercitar o que EU conseguia lembrar dessa conversa, “mais ou menos” o teor do que lá foi dito. Considerem esse texto, então, como uma ficção baseada em fatos reais.