Palavras e Sentidos

Meu encontro com o universo das Letras vem de uma trajetória bem enviesada. Sempre gostei de Literatura. Porém foi quebrando cabeça tentando simular em computador um pouquinho que fosse da inteligência humana - e pra não perder a piada: se lhe falta a inteligência natural, corra atrás da artificial! - , que acabei conhecendo melhor e me apaixonando por Linguagens Humanas e fenômenos de Comunicação. As diferentes interpretações que palavras podem adquirir, sós ou em conjunto, é algo que me intriga e fascina sobremaneira. E sobre isso quis refletir um pouco aqui.

Estudos apontam que mais da metade das mensagens trocadas na rede é mal interpretada – informação essa que pode ser checada aqui mesmo no RL, como dica. – E eu me arrisco a dizer que conversações ao vivo, ou via telefone, não estão fora deste conjunto. Quem nunca tentou se comunicar e experimentou a agonia de perceber que não estava sendo compreendido? Isso me lembra uma canção do Caetano (1):

"Você não está entendendo

Quase nada do que eu digo

Eu quero ir-me embora

Eu quero é dar o fora".

Uma dessas situações vivi com uma amiga muito querida. Esse desejo de querer dar o fora, de não querer me esforçar para explicar mais nada foi o que me fez pintar uma das minhas primeiras telas – Amigas ao Telefone (2). - A pintura tem esse poder extraordinário de acalmar, fazer sentar a poeira, permitir que frustrações sejam trabalhadas, equilibrar pensamentos e emoções.

Dado o grande risco de se interpretar mal mensagens, é de bom tom não se levar adiante discussões sem sentido. Faz tempo li um texto – um poema ou algo que pudesse se enquadrar na categoria – e como geralmente faço quando um texto me diz algo, escrevi um comentário inocente. Ora, o grau de subjetividade associado a um texto poético geralmente é bem maior do que em outras formas de texto, mais objetivas. E isso dá margem a diversas interpretações. Meu comentário dizia muito mais sobre mim mesma do que sobre o texto em questão. Não dizem por aí que as pessoas tendem a ver, ouvir e entender só aquilo que querem? Pois eu acho que a coisa foi por aí.

Um certo desconforto foi gerado entre mim e a autora do texto, que talvez tenha tomado o meu comentário como algo pessoal. E como poderia ser? Nunca antes havíamos sequer esbarrado pelas esquinas da internet! Resumo da ópera: o mal-entendido, creio eu, resolveu-se rapidamente após a troca de mais algumas mensagens. Mas o que ficou martelando em minha cabeça depois desse episódio foi o pensamento do que pode acontecer com os textos que lançamos por aí, feito sementes soltas ao vento.

Palavras parecem ter vida própria; são rebeldes e não se deixam facilmente prender e controlar. Lembro-me de uma passagem de um livro de Rubem Alves (2) na qual ele explica com que finalidade escrevera o livro A Menina e o Pássaro Encantado. A intenção, segundo ele, era trabalhar os sentimentos entre ele e sua filha, causados por um breve período de separação. Nas palavras do próprio Rubem: "Escrevi para transformar uma dor em beleza (...) era uma história para minha filha e para mim." Ele conta que não esperava as diferentes reações que o livro suscitou, chegando a ser usado até por terapeutas de casais e para falar sobre Deus. E ele conclui: "Pode também ser... É impossível engaiolar o sentido."

Ainda que um autor planeje as reações que deseja provocar com um texto, deve ser ínfima a probabilidade de se prever exatamente todas as possíveis interpretações que o texto receberá de diferentes leitores. Considerando-se, ainda por cima, as variáveis de espaço e tempo, aí mesmo é que a coisa complica! Em resumo: melhor mesmo é termos cuidado com o que escrevemos, se é que não queremos, dia desses, acordar sitiados em casa, acusados do que quer que seja... "Logo eu?! Mas o que foi que eu fiz?"

"Pacato cidadão!

(É o pacato) da civilização..." (4)

(1) Trecho da canção Você Não Entende Nada, Caetano Veloso.

(2) http://clube-da-lupa.blogspot.com/2008/08/amigas-ao-telefone.html

(3) Rubem Alves. Ostra feliz não faz pérola. Editora Planeta. Páginas 19-20, 2008.

(4) Trecho da canção Pacato Cidadão, Skank (Samuel Rosa e Chico Amaral).