Do Fundo do Meu Baú Musical

Parece que foi ontem. Comecei a integrar um grupo de jovens e logo descobri que podia cantar. Se bem que, na verdade, música popular brasileira sempre fez parte de minha vida.

Quando era bem pequena, lembro-me da tia querida, cantarolando:

Mamãe cadê papai

Que não vem se agasalhar?

O velho está na chuva

Deixa o velho se molhar

Mamãe quero brincar

Que hoje é domiiiiiiingo!

E a chuva está caindo

Pingo-pingo, pingo-pingo

E eu cantava junto. Não sei de quem é esta canção. Aliás, se alguém souber, por favor me diga. Só sei que é antiga, uma das mais belas lembranças de minha infância. Não tínhamos vitrola em casa. Aliás, tínhamos sim, uma ra-di-o-la, que nem funcionava mais, de tão antiga que era. Seu enorme móvel de madeira abrigava os bibelôs de mamãe. Ah, o velho e bom companheiro radinho de pilha... Sou eternamente grata a você por tanta felicidade que me causou!

Eu ouvia muita música brasileira tocando no rádio: Elis, Gal - cujo Azul, que mais tarde descobri ser de Djavan (1), ficou marcado e até hoje dá o tom da minha pele. Grupos dos anos oitenta como Legião Urbana, Titãs e Kid Abelha. Roberto Carlos, que tinha uma meia hora da programação diária, somente dedicada a seus sucessos, como: "O calhambeque, bip-bip" (2) e “Un gatto nel blu” (3).

Logicamente também havia espaço para os sucessos “internacionais”. Eu, no meu universo infantil, imitava tão bem a Nikka Costa que algumas pessoas até criam que eu soubesse mesmo Inglês. Tsc... Tsc... He, He, He... É que criança tem ouvido puro, apurado. Aprendemos a falar, antes de tudo ouvindo, não é verdade? Taí, boa questão para filosofar mais tarde.

Lembro de antigas rádios que minha tia tanto gostava de ouvir. Entre meio-dia e duas da tarde, por volta da hora do almoço, era sagrado ouvir o programa de um radialista chamado, se não me engano, Rui Dourado, com seu inseparável amigo Xeleléu, “O famoso dono das coisas!”. Eu não entendia muito bem o que se passava, mas lembro que minha tia ria muito ouvindo as desditas de Xeleléu - uma espécie de Jeca Tatu, sempre encarando com bom humor as situações inusitadas e injustas da pobreza. O bordão era mais ou menos assim: “Um programa feito por mim, eu, mais eu, comigo, e eu também. Graças a Deus!” Eu achava engraçado.

Sempre cantei no chuveiro, e no tanque da lavanderia, onde gostava de tomar banho quando criança, nos dias quentes. Gostava muito. Pela abundancia de água, por ser ao ar livre e principalmente porque, quando os adultos não viam, podia dar mergulhadinhas rápidas. E tinha que ser rapidinho mesmo, pois se me pegassem “estragando” água, aí o pau comia, literalmente. Coisas de criança. A vida é uma brincadeira! Quando me pegavam eu argumentava: “Mas essa água do tanque não é só pra lavar roupas!?”

Tempos bons...

“Isso é coisa da antiga, ô na tina”(4)...

Depois de me entrosar com microfones, cantar em corais foi então um caminho natural. Muito mais tarde surgiu a oportunidade de ter algumas aulas de canto. Nossa, era um dos melhores momentos do dia. Eu realmente adorava fazer os exercícios vocais. Ia tomando consciência de uma série de coisas cuja existência nem fazia idéia. Cantar corretamente não era tão simples assim, como eu pensava.

As exigências da sobrevivência foram me forçando a deixar cada vez mais de lado a idéia de cantar, profissionalmente. Tornou-se nada mais do que um hobby. Um dia, para presentear alguns amigos com algo que os fizesse lembrar de nós, de nossa amizade, gravei um CD de garagem, com 10 cópias. Gostei muito da brincadeira, acima de tudo devido ao alto astral dos produtores e colaboradores. Dia desses vejo se compartilho o texto do encarte aqui, pois disseram-me, certa vez, que ficou muito legal.

Bom, desde então só tenho cantado no chuveiro e também em corais (mas somente como hobby!) e estou sempre encontrando coisas novas e interessantes para ler e ouvir nessa área. Incrível como a criatividade humana parece nunca se esgotar!

(1) Referencia à canção Azul, de Djavan.

(2) Trecho de O Calhambeque (road hog), Roberto Carlos. (Composição de John D. Loudermilk / Gwen Loudermilk; Versão: Erasmo Carlos).

(3) Na internet encontrei a canção Un Gatto Nel Blu, autoria atribuída a Toto Savio. Não posso garantir, pois só lembro do trecho citado, um sussuro no rádio, na voz de Roberto Carlos.

(4)Trecho de Coisa da Antiga, de Wilson Moreira e Nei Lopes, interpretada por Clara Nunes e mais recentemente por Rita Ribeiro.