CORDEL URBANO: ROBIN HOOD

De manhã, mal saía o sol na rua,

dei de cara com quatro de branco,

cada um querendo sentar a pua,

um deles ainda era manco...

Num nem nem de me dizer o quê,

abriram minha boca na forçada,

um gole d'água, era pra beber

o comprimido pra derrubada...

Num desmaio fui pro sono,

me botaram numa ambulância,

fiquei numas de abandono,

órfão largado na infância...

Ué ué da sirene abrindo caminho,

meio de qualquer quase acordar

dei de cara com um padrezinho

rezando pr'eu me acalmar...

Levado fui num arrasto

com quatro que soldados pareciam,

o quarto era bem arrumado,

a cama parecia macia...

Dali em diante fui dormir

e só acordei no dia de amanhã,

enrodilhado feito siri

ou será que largada rã?

Assuntei o pedaço

pra descobrir onde era e o quê,

a enfermeira me deu o braço

e me disse: olha o café, bebê...

Na sala cheia de gente esquisita

me pus num canto a observar

que havia entrado numa fria,

loucos igual fruta no pomar...

Um dos me olhou e me chamou de general,

um outro me abençoou cantando,

aquela gritava: ele não fez por mal!,

e eu, só na mira, mirando...

Me deram logo dois comprimidos,

um branco e o outro também,

era pra domar os sentidos,

"isso vai te fazer bem..."

Mandei pro papo sem pensar,

logo logo vi um anjo descer,

vinha de lá do além mar

e cochichou ao me dizer

que estava bem guardado

na casa que Deus queria,

eu era um homem procurado

pelo bem que tão bem fazia...

Um maluco de boné gritou

que tinha me reconhecido,

um outro bem baixinho falou,

"acho que é aquele bandido..."

Alguém trouxe um jornal

com minha cara estampada,

alguém disse: "não fez por mal",

um outro falou: é da bandidada..."

Peguei pra ler o noticiário,

eu lá reconhecido como herói,

Frei Tuck ao meu lado com um rosário,

João Pequeno morto, ah como dói...

Will Scarlet ao fundo, tristeza fingindo,

Allan Dale de algemas, em estado de choque,

o policial enfeitando, peito estufado, rindo,

todos meus amigos, moradores do bosque...

Diziam que eu tinha roubado bancos,

dúzias, distribuído o dinheiro nas favelas,

casas de ricos, um outro tanto,

fugido de madrugada pelas janelas...

Nos bolsos nenhum centavo eu tinha,

só o endereço da próxima mansão,

o guarda disse: "é uma erva daninha",

e eu: "sou isso que o senhor fala, não..."

Fiquei por ali uns meses fingindo de louco,

descobri como podia sair e voltar pra rua,

roubei umas chaves e de pouco em pouco

já estava na favela a admirar a lua...

Hoje sou admirado pela plebe rude,

tenho até barraco com tv a cabo,

ando não muito bem de saúde,

essa próstata que dá no rabo...

Ninguém ficou para seguir o caminho

da diversão e perigo desse gesto nobre,

acho que morrerei aqui lembrando, sozinho,

como é bom roubar dos ricos e dar pros pobres...