MANÉ CRUZA FACA E O CANGACEIRO MERGULHÃO

É história do Nordeste

Mas colhi no Paraná

Contada por um amigo

Quando eu estive por lá

História de Mergulhão

Um cabra de Lampião

E eu vou em versos contar.

No Norte do Paraná

Eu conheci Seu Tenório

Na cidade Florestópolis

Um sujeito bem simplório

Brincalhão que só menino,

Quando encontra um nordestino

Ele abre o falatório.

Esse famoso Tenório

Nascido no Pajeú

Nas cabeceiras do rio

Fazenda Água de Teiú

Cento e um anos de idade

Mas tem boa habilidade

E ainda bebe Pitú.

Me contou de um sururu

Que ele presenciou

No ano de trinta e seis

Quando era morador

De uma fazenda vizinha

A um coronel que tinha

A fama de matador.

Segundo ele me contou

O coronel fazendeiro

Chamado Juvêncio Dantas

Tinha fama de coiteiro

Mas à volante ajudava,

E vez em quando ele armava

Pra entregar um cangaceiro.

Esse dito fazendeiro

Protegia um bandido

Perverso, vil e covarde

Que só vivia escondido,

Um jagunço pau mandado

Que tinha o corpo fechado

Por nada era atingido.

Esse temível bandido

Praticou uma má ação

Raptou uma mocinha

Que havia na região

Filha de um fazendeiro

E prima de um cangaceiro

Do bando de Lampião.

Se chamava Mergulhão

O cangaceiro citado

Vivia pela caatinga

Por seu chefe comandado

Vez em quando visitava

O seu tio, onde ficava

Escondido e bem guardado.

Voltando ao pau mandado

Jagunço do fazendeiro

Nome, Mané Cruza Faca

O temível desordeiro

Fazia e acontecia

No campo e ninguém o via

Porque era feiticeiro.

Vizinho ao tal fazendeiro

Numa fazenda vizinha

De um velho sitiante

O pai da dita mocinha,

Muito bonita e prendada

Católica, muito educada

E só andava na linha.

Esse sitiante tinha

Um sobrinho cangaceiro

Que vez em quando chegava

Fazendo o tio de coiteiro

Do bando de Lampião,

Se chamava Mergulhão

O temível bandoleiro.

Um dia esse cangaceiro

No seu tio se hospedou

Com alguns comparsas do bando

E o sitiante contou

Uma história comovida,

Que sua filha querida

Cruza Faca lhe roubou.

Comovido lhe contou

Que naquele mesmo dia

O bandido Cruza Faca

Invadiu sua moradia

Desonrou sua família

Carregando sua filha

E todos bens que havia.

Mergulhão não conhecia

A fama desse bandido

Mas pouca gente sabia

Pois só vivia escondido

Artimanhas promovendo

Fazendo e acontecendo

E do patrão protegido.

Sabendo do acontecido

Mergulhão se enfezou

Disposto a ir buscar a prima

Mas o tio o aconselhou

Que tivesse mais prudência

Pensasse com paciência

Não agisse com furor.

Segundo o tio contou

O bandido quando agia

Se alguém o perseguisse

Ele desaparecia

E se um grupo o cercasse

Por mais gente que chegasse

Mas ali ninguém o via.

E também naquele dia

O criminoso tirano

Não molestava a mocinha

Nem lhe causava algum dano

Se não o encanto quebrava,

Pois ele comemorava

O dia de São Cipriano.

Mas preparasse algum plano

Para quando amanhecer

Pois o cabra todo dia

Logo no alvorecer

Costuma se achegar

Beber água e se lavar

Na cacimba de beber.

Assim que a zabelê

Anunciou a alvorada

Mergulhão já se encontrava

Escondido, de emboscada

Na cacimba tocaiando,

Viu o cabra se achegando

Sem desconfiar de nada.

Sua arma carregada

Era um velho bacamarte

Doado por Sinhô Bento

Um preto cheio de arte

Um escravo alforriado

Benzedor pra todo lado

Conhecido em toda parte.

Esse velho bacamarte

Tinha feito muito presunto

Com quatro dedos de pólvora

Quase o cartucho foi junto

Nessa arma carregada,

Pólvora preta, bem socada

Com mortalha de defunto.

E com a pólvora foi junto

Pois o assunto era sério

Três balotes de estanho

Pra não haver revertério

Forjados numa caldeira

Fogo feito com madeira

De cruzes do cemitério.

Mergulhão a seu critério

Sentiu a aproximação

Do cabra num burro preto

Olhos iguais aos do cão

Ao ver o cabra sentiu

Na espinha um arrepio

E um choque no coração.

Mas ele era Mergulhão,

Com nada se intimidou

Viu o cabra aproximar-se

Do animal se apeou

Empreendeu a descida

E uma cabaça encardida

Na cacimba mergulhou.

Quando ele se levantou

Já o Sol aparecia

Mergulhão se preparou

Pra fazer a pontaria

O cabra se escafedeu

Dali desapareceu,

Só a cabaça se via.

Sem saber o que fazia

Mergulhão ficou sem graça

Não querendo acreditar

Achando que era trapaça

Foi quando ouviu um zumbido

Dizendo no seu ouvido:

«Mire o fundo da cabaça!»

Sem querer fazer pirraça

Mergulhão obedeceu

Ajustou a pontaria

E o tiro aconteceu

Qual um tiro de canhão,

Assombrou a região

E ele desfaleceu.

Mas também aconteceu

O resultado esperado,

Quando ele acordou

Pois havia desmaiado,

Viu o sujeito caído

Sobre o lageiro estendido

Com o crânio esfacelado.

Também caído pra um lado

Estava o burro agonizando

Com o tiro ele pulou

E caiu se estrepando

Numa estaca de pereiro

Que havia no lageiro

E ali foi se findando.

Mergulhão se levantando

Ainda meio aturdido

Viu o burro agonizando

O cabra morto estendido

Deixou a carnificina

E foi atrás da menina

Onde ele tinha escondido.

A moça tinha saído

Com o povo para o oitão

Ficaram todos tremendo

Ao avistar Mergulhão

Deixaram que ele a pegasse

E consigo carregasse

Sem esboçar reação.

O bando de Lampião

Se aproximou para ver

Quase não acreditaram

No que pôde acontecer,

Deram um tiro no animal

E deixaram com o tal

Para os urubus comer.

Viram Mergulhão trazer

A menina prisioneira

Foram encontrar os dois

E saíram na carreira

Quando o pai os avistou

De tão contente ficou

Que fez uma bebedeira.

Mandou buscar numa feira

Cinquenta litros de cana

Matou um garrote e fez

Uma festa soberana

Pra o bando de Lampião,

E aquela diversão

Durou quase uma semana.

Só depois da carraspana

O bando se retirou

O velho ainda quis pagar

Mergulhão não aceitou

Se despediu da família

Com o bando pegou a trilha

E pra caatinga voltou.

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 15/02/2017
Código do texto: T5913462
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