TIO JOSÉ.

Em toda família tem

Um parente mas chegado

Na minha tive também

Um tio mas apegado

Um homem bom e sisudo

Mas que resolvia tudo

Com honestidade e fé

Andava em bom caminho

Eu gostei de ser sobrinho

Do meu velho tio José.

Gostei e sinto saudade

Das nossas tardes de prosa

Eu pequeno em idade

Criança atenciosa

Ouvia os seus relatos

E via velhos retratos

De gente muito antiga

Usando chapéu e luva

Meu tio previa a chuva

No proceder da formiga.

Sabia tudo de planta

E da sua serventia

Cidreira, figueira santa

Unha de gato, tília

Eu via admirado

Ele usar o machado

No corpo da catingueira

Que ate ouço a pancada

De cada machadada

No nó duro da madeira.

A coisa melhor do mundo

É ser um menino puro

Ter a pessoa querida

Pra nos tirar do apuro

Quando eu saia cedo

Sem compromisso sem medo

No tempo dando um olé

Pra mãe não dá o castigo

Ia pra o braço amigo

Do meu velho tio José.

Nele tinha confiança

Por ser um cabra raçudo

Mesmo eu sendo criança

Com ele topava tudo

Eu me sentia um gigante

Não tinha desafiante

Que mexesse comigo

Meu tio era a "morrinha"

Com a força que ele tinha

Matava o "papafigo"

Eu via nele um raio

Um não sei que de serpente

Sabia fazer balaio

Forjava no ferro quente

Se livrava de coice

Sabia amolar foice

Cortava unha de faca

Contava casos passados

Nos no batente sentados

Me dando bagos de jaca.

Era pau pra toda obra

Sabia fazer enxerto

Tinha sempre a manobra

Para fazer um concerto

Uma cama empenada

Uma gaiola quebrada

A mesa faltando um pé

Era somente chamar

Que vinha pra concertar

O meu velho tio José.

Lá no fundo do quintal

Tinha um pé de abacate

Dava uma sombra geral

Com galhos por toda parte

Ali era o meu mundo

Onde a cada segundo

O tempo ficava manso

Pra minha brincadeira

Tio com corda e madeira

Fez para mim um balanço.

Eu trago bem na lembrança

Sua figura austera

O seu andar com pujança

Me lembro bem como era

Esguio de serio semblante

Mantinha sempre constante

O seu cabelo cortado

Mascava fino graveto

Usava um chapéu preto

Com uma pena do lado.

Num caixote de madeira

Guardava um parabelo

Trazia na algibeira

Um relógio amarelo

Era um sujeito bruto

Porem o melhor matuto

Pra se ter como amigo

Homem de pouca lavra

Mas de honrada palavra

Não tinha um inimigo.

Frequentava a igreja

Tinha sua religião

Forjava sua peleja

Com a força de um cristão

Quase não sabia ler

E o que dava pra aprender

Guardava com muita fé

Rompeu os seus jubileus

Acreditando em Deus

O meu velho tio José.

Pela infância passei

Correndo pelas campinas

Levei tombo me arranhei

Joguei botão nas esquinas

Mas ficava chateado

Porque não tinha pegado

Gafanhotos pra brincar

Enquanto outros pegavam

Com gafanhotos brincavam

Então me punha a chorar.

Meu tio muito pacato

Saia sem me avisar

Ia pra dentro do mato

Voltava sem ninguém notar

Sem demostrar ter cansaço

Jogava no meu terraço

Gafanhotos de toda cor

E eu feliz e contente

Brincava com o presente

Me dado com todo amor.

As brincadeiras antigas

As vezes me faz chorar

Eram puras sem intrigas

Eram boas de brincar

Bastava ficar descalço

Fazer do cordão um laço

Pra prender no boi de barro

Imitava um valentão

Com canudos de mamão

Fingindo ser um cigarro.

O sitio ficava perto

A gente ia andando

Era um caminho reto

Tinha boiada passando

Peru galinha e galo

Manga dando estalo

Madura caindo do pé

Um céu de azul infindo

Nos na estrada sumindo

Eu e o meu tio José.

Apesar de ser contido

Não era todo mistério

O seu lado divertido

Era melhor que o serio

Ao apertar a tarracha

Brincava tocando caixa

Marcando o tempo no pé

Fazia divertimento

O chiado no cimento

Dos pés do meu tio José.

Toca pra os vizinhos

Pra os filhos e pra vida

Tocava pra os caminhos

Da sua roça florida

Hoje pensando eu fico

Que fui um sobrinho rico

Que teve um tio nobre

Apesar da circunstância

Deu-me o ouro da infância

Sem possuir nenhum cobre.

Quem dera o tempo voltar

Nem que fosse por um dia

Pra ver o meu tio cortar

A casca da melancia

Abrir a fruta no meio

O caldo escorrer no veio

Do fio de uma peixeira

Pena que isso acabousse

Mas foi o tempo mas doce

Na minha vida inteira.

Foi bom os tempos passados

Porque trago no presente

Gafanhotos apanhados

No mato da minha mente

Das tardes que eu corria

Do cheiro da melancia

Do apanhar do café

Da cerca feita de vara

Tudo isso é a cara

Do meu velho tio José.

Porem o tempo não volta

Porque a vida prossegue

É bom ter sempre na porta

Alguém a quem nos apegue

Para ser nosso amigo

Por isso é que eu digo

Com sentimento profundo

Que carrego o meu brio

Que tive o melhor tio

Dos tios que tem no mundo.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 09/02/2017
Código do texto: T5907880
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