Eu sou

Eu sou chuva no deserto

Eu sou pedra no caminho

Mesmo longe eu estou perto

Vivo só, mas não sozinho,

Eu sou um presídio aberto

Livre como um passarinho.

Eu sou pedra e sou tijolo

Eu sou água e sou cimento

Eu sou massa para o bolo

Eu sou fim no firmamento

Sou mulato e sou crioulo

Minha pele é cor do vento.

Minha voz já foi um grito

Hoje é mero murmúrio

O que leio está escrito

Eu jamais penso perjúrio

O que falo é permitido

Nunca é de mau augúrio.

Sou a prata escurecida

Sou o ouro trabalhado

Sou a jóia bem polida

Sou o fogo controlado

Sou faminto sem comida

Sou o prato temperado

Sou a relva ressequida

O riacho represado

Sou a guerra não vencida

Sou valente acovardado

Sou o norte na partida

Sou o sul na caminhada.

Eu sou trégua para a paz

Eu sou arma para a guerra

Sou honesto e ladravaz

Eu sou semente na terra

Amo e combato a paz

Amo o justo que não erra.

Eu sou vento na estiva

Eu sou trava no portão

Sou sentença coletiva

Sou a voz do cidadão

Eu na festa sou conviva

Mas não chego à multidão.

Eu na vida sou a morte

Eu na morte sou a vida

Meu destino era ser forte

Mas sofreu na recaída

Eu dispenso camarote

Onde vou sou a saída.

Onde estou eu sempre mando

Onde chego sou mandado

Eu no mar sigo remando

Mas o casco está furado

Se perder eu vou ganhando

Muito já me foi doado.

Eu sou fome pro soberbo

Alimento pro faminto

Minha paga eu não recebo

A verdade eu não desminto

O poder que eu percebo

Tem sabor de absinto.

Eu sou velho neste tempo

Mas sou jovem no futuro

Sou imagem para um templo

Eu sou luz no quarto escuro

Sou o raio violento

Que caiu no solo duro.

Marco o tempo com o cinzel

Que a vida preparou

Sou a festa de papel

Que a chuva desmanchou

Sou a tinta no pincel

Que o artista abandonou.

Meus desejos são virtudes

Que compensam o extravio

Pro doente eu sou saúde

Para a chama eu sou pavio

Para alguns sou velho rude

Para outros um atavio.

Na fivela da correia

Onde a roupa fica presa

Eu sou um grão de areia

Que mantém a chama acesa

Faz correr sangue na veia

Quando a pele fica tesa.

Eu sou força sem tamanho

Sou um nada no universo

Minha sombra eu acompanho

Mas com ela eu não converso

Tudo que perco eu ganho

Porque tudo é o inverso.

Sou assim porque Eu Sou

É o que posso dizer

Nada há do que restou

Muito há para aprender

Só uma coisa ficou

O silêncio do saber.

Eis agora o meu sentir

No surto de inspiração

Nada há para pedir

Mas estendo a minha mão

O que é meu vou repartir

É a minha obrigação.

Renato Lima
Enviado por Renato Lima em 17/01/2017
Reeditado em 17/01/2017
Código do texto: T5884442
Classificação de conteúdo: seguro