Suco de Cupuaçu

Eu estava sentada de frente à Rosana. Ela ria de um jeito tão solto que me fazia pensar se quando eu ria, era de verdade.

Era uma noite fresca de Julho e nós bebíamos um suco de cupuaçu tão delicioso que era surreal.

A Rosana prendeu os cabelos castanhos e compridos num coque improvisado, pôs um sorriso discreto na boca e disse:

__ Se eu pudesse, engoliria o mundo!

__ Como assim? Pra quê?

Eu perguntei confusa. Imaginando ela engolindo uma grande esfera azulada e ficando com indigestão. Assim era a minha imaginação: visual, óbvia e limitada.

__ Engolir o mundo! __ Respondeu ela como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. A testa franzida e as mão falando __ Fazer tudo que existe, entender tudo que existe, experimentar cada partícula vibrante, sabe?!

Ri de sua fala abstrata. A Rosana era abstrata, tanto que nem sei como ela existia em carne e osso. O seu corpo se misturava com as ideias, com os sons das palavras e a sonoridade de cada frase que ela dizia. E tudo fluia. Tudo se juntava num enredo musical de imaginação e transcendência. E eu ali parada querendo explicações do indizível.

__ Mas porque? Tem tanta coisa ruim por ai... eu não iria querer engoliar o mundo. Talvez só uma parte pequena.

__ A parte boa e confortável __ Ela rebateu de imediato __ Não... não é assim. Até porque tudo é uma só unidade, se você pega só uma parte não é completo e então não faz sentido.

__ O que? __ Juro que estava me esforçando muito, mas não estava entendendo nada.

Ela olhou-me nos olhos e podia ver a minha alma. E pelos olhos me passava em detalhes cada ideia de sua cabeça. A partir daí que comecei a entender o que ela queria dizer:

__ O mundo é uma só unidade e cada um de nós é um grande universo e ao mesmo tempo uma pequena partícula de algo muito maior. Daí, tudo é junto. Uma só coisa. Mas esse nosso corpo nos limita, sabe?!

__ Ah é?!

Ri novamente daqueles dizeres etéreos.

__ Sim! __ Ela leveantou a voz como quem está muito empolgado com alguma coisa __ Já parou pra pensar no quanto o seu próprio corpo te limita?

__ Não... eu acho.

__ Então, imagina ser feito de uma matéria que, por exemplo, não te limita a locomoção?! Imagina pensar e... pronto! Você está lá?! Ah...

__ É...

Eu me sentia tão pequena e boba naquele momento. Era sempre assim quando a Rosana falava. Mas ao mesmo tempo sentia que crescia um pouco depois de ouvir cada palavra que ela dizia. Sentia meu corpo mais leve e os problemas diminuíam de tamanho até parecerem engraçados.

__ Então, essa é uma das ideias.

Seu coque tinha desmanchado soltando seus cabelos pelas costas. Os olhos brilhantes e calmos.

Ela cruzou os braços e olhou pro alto:

__ Eu queria engolir o mundo inteiro. E sentir cada experiência de vida de cada pessoa que existe.

__ Isso sim é sabedoria!

Ela olhou pra mim, os olhos arregalados. Sorriu e apoiou o queixo em uma das mãos.

Sim, eu estava entendendo agora.