Dependência literária

O rapaz chega para uma sessão no psicólogo.

- Bom dia, doutor!

- Bom dia, rapaz! Fique à vontade, sente-se, ou deite-se, como preferir.

Então o rapaz deita no divã, e se inicia a consulta.

- Então meu filho, conte-me o que te aflige, não se omita. Sou todo ouvidos...

- Pois bem, doutor. Meu caso é sério, sou viciados em livros, viciado em tudo que envolva literatura. Compulsivamente louco por poesia! Não passo um dia sequer sem escrever um poema. Quando tomo café pela manhã sinto-me obrigado a ler pelo menos dez páginas de jornais.

Gasto todo meu dinheiro com livros, minha estante já não cabe mais nenhum! Livros, livros e mais livros! Muitos dos quais ainda não li. É grande essa minha "sede literária". Se já não bastasse isso tudo, não posso visitar bibliotecas ou livrarias, pois toda vez que visito uma, não consigo mais sair de lá.Teem que me tirar à força! Já não como, não durmo, não trabalho direito. Estou pra ser demitido...

Quase não consigo mais falar informalmente, fico formulando frases que rimem, faço enorme esforço pra me abster de grande parte do meu vasto vocabulário, para que eu possa ser o mais claro possível nos diálogos, mesmo assim, são poucos os que entendem o que eu falo! Está difícil conviver em sociedade.

A todo momento estou me lembrando de máximas e citações famosas, fico relacionando fatos históricos com coisas do cotidiano, não consigo me conter, doutor... as palavras me perseguem, eu tento, mas não consigo fugir delas! Sou um verdadeiro "refém das palavras". Diga-me que há uma solução, doutor. Pelo amor de Deus, eu não aguento mais!

Conclui o rapaz, enxugando as lágrimas do rosto.

O psicólogo ainda muito assustado com a extensa lamentação do paciente, olha fixamente para ele, e diz.

- Veja bem rapaz, não há dúvidas, seu caso é grave mesmo... sinto muito, mas não vejo outra alternativa a não ser te encaminhar a uma clínica de reabilitação para dependentes literários.

09/06/2016