A cigana Reika  deixou o coração de José Lino apertado.
— Nunca soube!
— Nem poderia, Euzébia! Há verdades que só podem ser reveladas após a morte.
— O coração do homem guarda muitos segredos.
— A mulher é toda mistério.
— Não sabia que cigano ia para o céu.
— Reika está aqui. Aquela tenda listrada é dela.
— Aquela é a tenda que você pôs abaixo com um chute?
— Não! Aquela parte foi apagada na confissão que fizemos na festa do vaqueiro na fazenda Campo Grande.
— E as onças que você matou. Também estão no céu?
— Os tempos celestes não conhecem o ontem nem o amanhã. Tudo é hoje. Por isso, Deus não olha o passado. Passado, presente,  e futuro,  só existem no calendário dos homens. Este mesmo Deus que fez o mundo e tudo que nele existe,  fixou os tempos e os limites de sua habitação sobre a terra.
— Bichos vão para o céu?
— Alguns! O cavalo que cochilava à beira da cerca, não compareceu.  Fingia-se doente. Era mentiroso. E foi mordido pela serpente.
— Como não vão para o céu? Depois dos muros abissais, tem um dragão lançando chamas e um leão rugindo.
— Ali não é o céu. Aquele é o dragão, a antiga serpente.
— Nossa, a serpente cresceu. Tornou-se dragão?
— Sim, mas tombará como Golias, por causa de sua arrogância. Aliás, já caiu.
***

Adalberto Lima, fragmento de Estrela que o vento soprou.