O defunto salva-vidas

Assis Silva

Era uma noite chuvosa em uma sexta feira 13, para alguns uma péssima noite para sair de casa, para alguns que estavam retornando a terra natal para visitar parentes e amigos, nada impedia a viagem, nem mesmo as previsões do tempo que não eram tão boas assim. Era o caso de Joaquim, homem corajoso que não temia nada, tão pouco as superstições, afinal, pensava ele, não importa o número nem o nome do dia ou da noite, se algo tem que acontecer, acontece em qualquer momento.

Joaquim morava em Belém do Pará e fazia tempo que não vinha visitar seus amigos e parentes em Ourém do Pará. Não usava redes sociais, telefone ou outra coisa qualquer para se comunicar, achava que essas coisas atrapalham a vida da gente. A viagem duraria no máximo três horas, sem contar os dois quilômetros que teria que caminhar até seu destino final que era a vila de Rio Vermelho em Ourém. Ao se aproximar de sua descida, deu-se conta que a chuva estava muito forte e achou por bem dirigir-se até um barzinho à beira da rodovia para esperar a chuva passar. Depois de poucos minutos a chuva passou. Era por volta das 7 horas da noite, já estava escuro e então ele começa a se preparar para pegar a estrada de chão.

Para sua surpresa chega seu amigo de longas datas, seu Manoel, homem sorridente que andava sempre acompanhado por uma garrafa de pinga, já chega oferecendo uma dose ao viajante.

— Ho meu amigo, mas olha só...quem é vivo sempre aparece!

— Manoel! — Exclamou admirado Joaquim — como sempre nunca deixa sua cachaça. Mas como vai a vida?

— Vou bem, minha vida está muito boa, faz dias que vivo no paraíso — ao dizer isso, soltou uma longa gargalhada.

Depois de uns cinco minutos de prosa Joaquim disse que precisava partir para não ficar muito tarde, pois ele iria caminhando os dois quilômetros naquela estrada de chão batido e encharcada pela chuva. Para a sua supressa, Manoel que não era muito de conversar ficou preocupado em deixar seu amigo partir e de fato não o deixou ir logo. Ficou puxando um monte de assuntos, alguns desconectados com a realidade. Parecia bêbado, porém via-se que ele, embora estivesse com uma garrafa de cachaça na mão não aparentava aspecto de porre, salve as conversas. Demoraram tanto que ficou tarde demais e voltou a chover novamente e agora bem mais forte, chuva com raios que iluminavam o céu de uma ponta a outra.

Já passava da meia noite quando Joaquim e Manoel decidiram dormir ali mesmo, Joaquim encima de um bilhar e Manoel em uma mesa que se encontrava no lugar.

No outro dia, Joaquim acordou com o sol batendo em seu rosto. Acordou meio atordoado, recobriu a consciência e percebeu que seu velho amigo não se encontrava mais no lugar. Levantou-se e põe-se a caminho da vila. Eis que nos primeiros passos apareceu um motoqueiro que lhe ofereceu carona, ele aceitou. Em umas das primeiras casas da vila, pediu para descer, reconheceu a casa do Manoel, e decidiu checar se seu amigo já havia chegado em casa.

Chegou em frente a porta e bateu palmas. A porta de cima se abriu e surgiu a esposa do Manoel, Dona Juliana.

— Bom dia!

— Bom dia — respondeu o viajante.

— Mas olha só, Joaquim?!

— Olá Dona Juliana, quem é vivo sempre aparece.

— Verdade! — Abrindo a porta de baixo, pede para o viajante entrar — Entre e vem, vamos tomar um café, mas o que aconteceu para o Senhor aparecer assim, tão cedo.

— Na verdade era para ter chegado ontem à noite!

— E o que aconteceu?

— Bom — sem saber por onde começar, gaguejou — estava com o seu marido ontem no bar, lá na entrada do Rio Vermelho!

— Como?! — Pergunta a mulher assustada e já esboçando um choro.

— Mas porque o susto? — Perguntou preocupado.

— O senhor estava com o Manoel? Impossível!!!! — A essa altura, dona juliana falava com a voz embargando e lágrimas começam a cair e conclui já chorando — Ele foi assassinado semana passada com seis tiros nessa estrada da rodovia até aqui.

Joaquim assustado e nervoso começou a tremer e olha que ele era homem corajoso, que parecia que nada o fazia temer.

— A senhora está me dizendo que ele foi assassinado?!!!! — Indagou quase sem acreditar.

— Sim, foi como lhe falei. Essa estrada está muito violenta, têm um bando de marginais que ficam fazendo assaltos durante a noite, geralmente é entre as 18:00 até as 00:00 horas. Além de assaltar, eles estão matando sem piedade!

Joaquim levantou e saiu cambaleando da casa, meio tonto sem querer acreditar no que acabara de ouvir. Do lado de fora, caiu de joelhos, abaixou a cabeça e a pôs sobre as cochas. Ficou inerte, até que dona Juliana o levantou e pediu calma. O reconduziu para dentro e o tentou confortá-lo.

— Não sou espirita, sou cristã católica e já ouvi falar em bilocação, é um assunto pouco comentado, talvez o Manoel salvou a sua vida, se o Senhor tivesse vindo ontem, provavelmente o Senhor, assim com ele, estaria assassinado agora. Agradeça a Deus seu Joaquim! Ou ao menos agradeça o Manoel!