993-A MALETA AZUL - Criminal

— Abra a porta! Polícia!

Os moradores da modesta casa, isolada na zona rural de Sinhadita, no Vale do Rio Doce, assustados com os gritos vindos do alpendre da entrada, correram em todas as direções. Na sala ficou apenas o velho Zé Miranda. Olhando pela janelinha da porta, pode ver quatro homens escuros, de faces ameaçadoras e revólveres nas mãos.

— Tá esperando o quê? Vamos, é a polícia, abra já!

O velho destranca a porta e deixa entrar os homens. Apesar da vista cansada e curta, e das sombras do entardecer, pode ver que usam jaquetas pretas, com letras grande, iguais às usadas por policiais..

— Chega pra lá, velho! — Empurram-no e vão direto para os outros cômodos. — Cadê o dinheiro? Onde tá todo mundo?

Emudecido pela surpresa, o patriarca balbucia alguns sons, sem nada dizer. Recebe uma pancada na cabeça e cai, zonzo. Dos outros cômodos chegam vozes e gritos desesperados. Ouve-se um tiro.

— O cara tá fugindo! Corre, pega ele! Não deixa ele fugir!

A família é arrastada para a sala. Manietados com algemas. Três da quadrilha começam a espancar e interrogar os prisioneiros.

— Onde tá o dinheiro? Cadê a mufunfa? — A cada pergunta não respondida, pancadas com os revólveres são desferidas nas cabeças e nos corpos da mulher e de dois rapazes.

O espancamento segue com vigor. Os rapazes agüentam firme, nada falam. A mulher chora copiosamente. O velho permanece tombado sobre uma maleta azul. De repente, chega, vindo dos fundos da casa, esbaforido, o quarto elemento do bando.

— Um deles fugiu!

— Melou!

— Vamos dar no pé!

— Antes vamos pegar o dinheiro. Não vamo sair daqui sem os dólares.

O velho começa a voltar a si. O chefe dos espancadores pega-o pelo colarinho, ergue-o e dá-lhe um tapa na cara.

— Fala, velho, onde tá o dinheiro? Ou mato sua mulher e seus filhos.

Instintivamente, o velho balbucia:

— Na... maleta... azul.

— É essa maleta aí? — Pergunta o valentão. — O velho não responde, só faz um sinal com a cabeça.

— Vamo imbora! — grita um dos quatro. — O que fugiu já deve tá longe e vai avisar a polícia.

Jogando o velho no chão, o Chefe pega a maleta azul e foge em disparada, no que é seguido pelos outros.

Tobias, o que conseguiu fugir, conhece bem as imediações do sítio do pai, onde morou até três anos atrás. Enquanto corre, fazendo finta, escondendo-se e despistando o perseguidor, num átimo passam por sua cabeça as peripécias dos últimos quatro anos. Ele e seus dois irmãos “fugiram” (como se dizia ali naqueles cafundós) para o México e entraram como clandestinos nos Estados Unidos. Trabalharam duro, não foram pegos pela polícia nem qualquer autoridade, e conseguiram economizar mais de vinte mil dólares. Voltaram ao mesmo tempo, por caminhos diferentes, e para despistar, colocaram o dinheiro em três maletas de mão.Cada um voltou com uma maleta, por caminhos diferentes. Haviam chegado à santa terrinha dois dias antes e já haviam removido o dinheiro, colocando-o numa das maletas azuis, colocada dentro de um barril, no paiol, um lugar seguro, conhecido apenas dos três. — e do pai e da mãe, naturalmente.

Os desgraçados vieram atrás do dinheiro! Como é que descobriram? Esses bandidos sabem de tudo. E pensam que enganam a gente, usando roupas dos policiais.

Exausto, deu-se conta de que se distanciara do perseguidor. Já era então noite fechada, e o arvoredo havia colaborado com a fuga de Tobias.

Os filhos da puta desistiram!. Num posso parar. Tenho de correr até encontrar ajuda.

Deu sorte. Ao chegar à estrada de terra, consegue fazer parar um jipe.

— Pelo amor de Deus, me ajude. Tem uns bandidos lá no sítio, batendo em todo mundo. Me leva até a polícia.

Chegar até o posto policial e contar o que estava acontecendo com sua família, foi o máximo que conseguiu. Quis acompanhar a patrulha, mas foi impedido.

— Você fica aqui. Não levamos estranhos no comando. — O sargento determinou.

Os bandidos fugiram num carro pequeno, preto. O Chefe da gangue ia no assento da frente, com a maleta azul no colo. O espaço exíguo do veículo não era suficiente para que a maleta fosse aberta. Todos estavam tensos. Na rodovia, cruzaram com um veículo da Polícia Militar.

— Já tão indo pro sítio. Logo vão estar na nossa cola.

— Melhor a gente dispersar.

Ao avistarem as primeiras casas da pequena cidade, abandonaram o carro.

— Agora, é cada um por si. — Falou o Chefe. — Fico com a maleta. A gente se encontra amanhã, na casa da Ivete Lingüeta e racha a grana.

Abandonam o carro e as jaquetas. Embrenham-se pelas ruas estreitas, escondendo-se nas sombras. Ao passarem por uma casa, vêem três bicicletas encostadas.

— Vamos pegar as magrelas.

Num átimo, estão pedalando. O Chefe, com a maleta, fica observando os três comparsas sumirem na escuridão. Um sorriso malicioso nos lábios, encaminha-se para um canto da esquina, onde se agacha e abre a maleta.

A polícia chega no sítio e entra pela casa, sem aviso. Encontram o velho, traumatizado e a mulher, num pranto seguido. Estão deitados na cama. Os dois filhos, Matias e Adonias, apesar de machucados, limparam os ferimentos da mãe, do pai e os próprios lanhos nas cabeças.

— Quem eram? Quantos? O que queriam? O que levaram? Como estavam vestidos? Como fugiram? Há quanto tempo fugiram? — As perguntas vinham dos policiais numa cascata ou, mal comparando, com projéteis de uma metralhadora. Os dois rapazes contaram o que lhes convinha, nada falaram dos dólares.

— Levaram apenas uma maleta de mão, azul?

— O que tinha na maleta?

— Apenas roupa suja.

— Eles vieram aqui só pra pegar uma maleta de roupa suja? — Os policiais parecem não acreditar no que lhes dizem.

— A gente não sabe do que eles tavam a fim...

Pelo rádio, um alerta geral foi dado. A cidade foi cercada com o destacamento local, ajudado pelos colegas da cidade vizinha. Pela madrugada, carros circulavam pelas ruas e becos, praças e adjacências. Uma patrulha viu três ciclistas pedalando furiosamente. Ao serem atingidos pelos faróis do carro, abandonaram as bicicletas e saíram em desabalada carreira, pularam um muro. Foram presos cinco minutos depois, encantoados em um quintal por um selvagem pitbull.

Debaixo de socos e cacetadas, revelaram a existência do chefe, e disseram onde o tinham deixado. A viatura algemou os três, colocou-os na traseira do carro e foi para a esquina de onde o bando havia se dispersado.

O Chefe da gangue não tem dificuldade em abrir a maleta azul. Não está trancada. Por cima, apenas algumas roupas amarfanhadas. Avança com sofreguidão as mãos para o fundo. Roupas, roupas e mais roupas.

O carro da polícia agora roda silenciosamente, avizinhando-se do local indicado pelos bandidos presos. Nada se ouve. Os policiais empunham armas, preparados para qualquer eventualidade.

O Chefe nada encontra senão camisas, cuecas, lenços e meias. Levanta-se com agilidade, e ao mesmo tempo em que é iluminado pelo farol do carro, grita, desesperado:

— Desgraçados! Filhos da puta! Onde é que esconderam o dinheiro?

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ANTÔNIO GOBBO

Belo Horizonte, 27 de outubro de 2006

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 11/03/2017
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