Plena divulgação

O agente que monitorava as ligações telefônicas, fez um sinal para o detetive Borja, de pé ao lado do marido da vítima. O industrial César Sampaio, um homenzarrão de quase dois metros de altura, parecia haver encolhido e afundado no sofá de couro preto do seu elegante escritório, uma expressão de amargura desenhada no rosto.

- Senhor Sampaio? Está preparado? É ele.

Sampaio fez um gesto como se dissesse "e que alternativa tenho?". Pegou hesitante o telefone sem fio que lhe foi estendido.

- Alô? - Disse, sem muita convicção.

Uma voz distorcida por um dispositivo eletrônico respondeu do outro lado:

- Sampaio? Até que enfim, meu presidente! Está pronto para cumprir a sua parte no acordo?

O tom de voz era sarcástico, mas tranquilo. O sequestrador parecia ter todo o tempo do mundo. Borja fez sinal para que Sampaio esticasse a conversa, enquanto tentavam rastrear a origem do chamado.

- Veja... o que me pede é absurdo. Eu estou disposto a negociar um resgate em dinheiro... uma boa quantia... depositada onde você quiser. Uruguai, Suíça... é só dizer!

O tom de voz do sequestrador subiu ligeiramente:

- Sampaio, por que é tão difícil para você entender algo tão simples? Eu não quero um centavo do seu dinheiro. Mas se você não fizer exatamente o que eu lhe disse, pode ter certeza de que a sua bela esposa vai virar uma celebridade instantânea da internet - e não exatamente do modo positivo.

O empresário empalideceu.

- Mas o que você quer... que eu convoque uma coletiva de imprensa e me declare culpado pela morte do meu sócio, Oscar Riveros... isso é absurdo!

O detetive Borja e o agente se entreolharam.

- Se declare culpado somente não, meu presidente - disse calmamente o sequestrador. - Você vai entregar as provas, que com certeza você tem, para a polícia, logo após o seu pronunciamento. Quero ter o prazer de vê-lo sair algemado, no banco de trás de uma viatura, antes de soltar a sua mulherzinha.

- Isso é absurdo! - Repetiu Sampaio.

- Você tem até às 20 h de hoje - disse o sequestrador. E desligou.

- O que conseguiu? - Perguntou Borja para o agente, quando a ligação foi interrompida.

O agente deu de ombros:

- O meliante usou um telefone por satélite, praticamente impossível de rastrear.

O detetive virou-se para Sampaio, expressão dura:

- O que o senhor tem a dizer sobre essa declaração que o sequestrador quer que faça? Lembro-me que na época em que o seu sócio morreu, num acidente de trânsito, a hipótese de crime encomendado chegou a ser levantada...

Sampaio olhou para o detetive como quem pede socorro. Parecia à beira de um colapso.

- Eu... - começou a dizer ele. E levou a mão ao peito, olhos arregalados.

- Chame o SAMU! - Gritou Borges para o agente. - Ele está infartando!

* * *

Na TV de parede no quarto do hotel barato, viram quando o corpo de César Sampaio foi retirado do prédio por dois maqueiros e levado para o rabecão que aguardava com as portas abertas. Graça Sampaio, a bela e jovem esposa do empresário, agora viúva, virou-se para o suposto sequestrador, deitado na cama ao seu lado:

- Não havia prova nenhuma, não é, seu safado?

O homem riu e puxou a mulher contra o peito.

- E você reclama? Saiu melhor do que a encomenda! Quem poderia imaginar que o canalha fosse morrer de ataque cardíaco?

- Enfim, ele tinha mesmo culpa no cartório - ponderou ela.

- Disso nunca vamos ter certeza. Mas, o que importa? Você está viúva e rica!

E consultando o relógio de pulso:

- Viúva, rica e inconsolável. Hora de fazer o seu número na frente das câmeras de TV...

Ela sentou-se na cama, passando os dedos pelos cabelos longos.

- Acho que não vou nem me pentear - declarou, espreguiçando-se.

[10-02-2017]